CAPTAIN FANTASTIC

Após conferir “Rocket Man” nos cinemas, parti pra minha biografia do Elton John. Mesmo ciente da proposta alegórica da direção, foi impossível não comparar a leitura com as informações do filme. Como previa, muitas alterações na história real. Mas falarei sobre isso no final.

“Captain Fantastic – a espetacular trajetória de Elton John nos anos 1970”, publicada no Brasil pela Benvirá, é uma das diversas biografia feitas sobre cantor. Mas, neste caso, o jornalista Tom Doyle (que escreve pra revista “Mojo”) propõe uma imersão nos anos 70, a mesma proposta seguida em outro livro do autor, “Man on the run”, no qual descreve a trajetória de Paul McCartney nos anos 70.

Livros e, principalmente, filmes que recortam um período específico da carreira do biografado tendem a ter um resultado mais satisfatório do que aqueles que tentam abarcar toda a vida ou carreira (uma rara exceção é a biografia de Philip Norman sobre John Lennon, mas ali são mais de 800 páginas e apenas 40 anos de vida). No caso de “Capitain Fantastic”, o livro começa um pouco antes da década anunciada, em 1968, e faz algumas breves visitas à infância e adolescência do cantor, e, nas últimas páginas faz um breve resumo da vida do artista até a atualidade. Não me surpreenderia se este livro tiver servido como base para o filme.

O foco do livro é a carreira, sendo aspectos pessoais expostos em segundo plano. Não se trata propriamente de uma biografia autorizada, mas a base do livro foram diversas entrevistas feitas com o autor para uma publicação da “Mojo”. Como o material cortado era extenso e extremamente interessante, Doyle resolveu escrever a biografia, lançando mão de entrevistas complementares com outras pessoas da vida de Elton e, como não podia deixar de ser, pesquisa em entrevistas já publicadas e biografia anteriores de Elton e de outros artistas, como Led Zeppelin, Groucho Marx, John Lennon e Rod Stewart. Aliás, a amizade entre Elton e Rod é um capítulo à parte.

Gosto do estilo jornalístico de Doyle, leve, simples, objetivo, sem sensacionalismo, e ainda assim capaz de dar a cada momento o devido peso de sua grandiosidade histórica ou emotiva. Talvez pelo acesso generoso que teve com o biografado, Doyle usou de breves eufemismos para falar dos “ataques de pelanca” da celebridade Elton John. Mas não deixou de mencioná-las, acredito eu que retratando a própria visão autocrítica do cantor sobre seus atos passados.

De “Empty Sky” (1969) até “21 at 33” (1980), o livro conta a história das gravações turnês e contexto de disco a disco. Aos fãs de futebol, há relatos generosos do envolvimento de Elton com Watford, clube inglês que acaba de contratar João Pedro, a mais nova grande revelação do Fluminense. Outra narrativa paralela de interesse é a relação dele com a realeza britânica a partir da amizade com a princesa Margaret. E o livro narra com detalhes três encontros especiais de Elton John: com Groucho Marx, com Elvis Presley e a última apresentação pública de John Lennon, em um show de Elton no Madison Square Garden.

Feita a devida resenha do livro, vamos às diferenças e semelhanças com o filme.

Quanto ao pai, o filme pegou mais pesado, mas não tão distante da realidade. Doyle não faz menção ao segundo casamento e os meio-irmãos. Quando o menino Reg estava dando muito trabalho, o pai o colocava sentado ao piano, e ele se acalmava. Foi graças ao pai que Elton desenvolveu sua paixão pelo futebol e ao Watford.

A mãe de Elton, decididamente, ficou prejudicada no filme. A imagem que passa no livro é de uma mãe que sempre apoiou o filho, inclusive quando ele se declarou gay. Sheila ajudou na mudança quando ele saiu de casa para morar com John Reid e foi ela quem sugeriu a ele que Reid fosse o seu agente. A única coisa que deixou ela puta foi quando Reginald Kennet Dwight trocou oficialmente seu nome para Elton Hercules John.

Ao contrário do que faz parecer no filme, os pais se separaram quando Reg tinha uns 13 anos. O pai o achava um rebelde por causa do gosto musical, puxado pro rock, que lhe foi apresentado pela mãe. A razão da separação foi o envolvimento de Sheila com Fred, que tornou-se o padrasto de Reg. Fred sempre foi um entusiasta da carreira do enteado.

Sobre a namorada que aparece no filme, na vida real era uma namorada que Elton arrumou quando ele ainda morava com a mãe (e com Bernie). Pra ter mais privacidade, ele acabou indo morar com ela, e Bernie foi junto. Ela engravidou e Elton fez o mesmo que Lennon: pediu-a em casamento. Mas, ao contrário de Lennon, desistiu e foi posto pra fora de casa. A cena da desistência foi parecida com a do filme, mas em nenhum momento foi dito a Elton que ele era gay. A frase foi: “Reg, você está mais apaixonado pelo Bernie do que por essa mulher”. E ela sequer ligava pras músicas dele. O casamento com a engenheira de som alemã, que no filme ficou meio solto no tempo, durou de 1984 a 1988. Na época, ele já tinha se assumido bissexual.

O filho de Dick James (o dono da gravadora), Ray Williams e Steve Brown foram fundidos no personagem Ray Williams. A forma como Elton conheceu Bernie Taupin está bem fidedigna, mas Dick James não era o chato insensível mostrado no filme. Ele gostou das músicas apresentadas pela dupla e, quando “Empty Sky” fracassou, ele decidiu dobrar a aposta e fazer uma produção de primeira no segundo disco. Este, ao contrário do que parece, também fracassou na Inglaterra. Mas numa desses lances de sorte, o cara que foi contactado para distribuir os discos nos EUA, Russ Reagan, ficou chapado ao ouvir “Elton John”, e não teve dúvidas de que estava diante de um gênio. Foi dele a ideia e iniciativa de trazer Elton para o Troubador. Ele só não iria pagar a viagem. Dick James aceitou fazer mais esse investimento, dizendo pro filho, Stephen James, que seria a última chance do rapaz.

John Reid também foi demonizado no filme. Fora o fato de já terem se conhecido em Londres, tudo aconteceu como retratado no filme, numa festa em Los Angeles. Elton e Reid viveram juntos por cinco anos, sem se revelarem um casal. Reid era dois anos mais novo e, aos 21, aceitou com muita relutância ser empresário de Elton. Ao fazê-lo, o fez como empregado de Dick James, que gostou do acerto. Na época da renovação do contrato, a parta da produção ficou com a empresa américa que promovia o cantor nos EUA, e Dick James ficou com os direitos autorais, o que ele considerou um prêmio e reconhecimento pelos serviços prestados.

Reid era de fato briguento, partia pra cima de jornalistas e engenheiros de som, super protetor e galinha. Mas, apesar da separação sofrida, ele continuou empresariando o artista, como mostra no filme, e sendo seu amigo.

Após a internação, quando se encheu de remédios e pulou na piscina, ele não foi para um spa se tratar, ele deu uma puta show, com autorização dos médicos. Dois anos depois ele deu uma parada com os shows e resolveu investir no Watford. O tratamento contra o alcoolismo e as drogas ocorreu quase 15 anos depois, por influência de um namorado.

O livro fala muito da amizade e da relação artística entre Bernie Taupin e Elton John. De fato, eles nunca brigaram, mesmo quando se afastaram, época em que Bernie passou a fazer dupla com Alice Cooper.

Por fim, um dado curioso: a mãe, John Reid, os músicos, a crítica, todos se incomodavam com os excessos do vestuário de Elton John. Na verdade, se incomodavam com tudo o que, nas performances, tiravam o foco da música. Para Elton, possivelmente era uma forma de vencer a timidez ou se estimular e se manter focado… na música.

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