Hello world!

Publicado 19/03/2010 por ahasfma
Categorias: About me

Com o gosto musical formado nos anos 80, vivi a época em que, a cada álbum, buscávamos encontrar a trilha sonora (e, por que não, a solução do mistério) de nossas vidas. Hoje, com a difusão do mp3, parecemos voltar à era dos singles e compactos, onde a canção se sobressai à obra. Entretanto, para os amantes de música surgidos entre os anos 60 e 90, o álbum, a canção dentro de seu contexto artístico, envolvida muitas vezes numa embalagem conceitual, mantém sua importância e constitui parte essencial do universo musical.

Cole Porter, Cartola, George Gershwin, Noel Rosa… Suas histórias são marcadas por suas canções e pelos artistas que as interpretam ao longo do tempo. Bruce Springsteen, Pink Floyd, Led Zeppelin, U2, Tori Amos… Essas carreiras são narradas em seus álbuns, em torno dos quais gravitam singles, shows e entrevistas, pontuando cada momento de suas vidas.

Por essas e outras, esse blog fala de música em todas as suas formas, mas o principal foco são os discos, esse obscuro (com um furo no meio) objeto de desejo.

Formado em Publicidade, Jornalismo e Direito. Ex-cinéfilo, ex-escritor de RPGs, leitor preguiçoso, viajante esporádico, amante de futebol, viciado em séries de TV e fã de música. Cultiva hábitos bizarros como comprar CDs, escrever em blogs para si mesmo, não ouvir rádio, tirar fotos das cervejas especiais que bebe e comprar mais “comics” do que é capaz de ler. Esse sou eu.

RITA LEE, UMA AUTOBIOGRAFIA

Publicado 05/01/2022 por cheibub
Categorias: Livros, Rita Lee


Tinha a impressão de que ia ser uma leitura divertida, só não sabia que ia gostar tanto. A autobiografia de Rita Lee tem vários atrativos para o gênero.

Primeiro, a sinceridade e o sincericídio. A artista revela micos, saias justas, descontroles, pés na jaca, tragédias pessoais, crenças e bordices, mas sem apelar pro melodrama ou mesmo autocrítica. Toda a narrativa é feita com a leveza de pra quem o passado ficou no passado.

Segundo, ela escreve tudo de cabeça, com a fluidez da emoção e da nostalgia. Os erros de informação são corrigidos com a intervenção de um ghost writer, um grande fã dela.

Terceiro, não há capítulos, mas tópicos, o que deixa a leitura bastante ligeira. Raramente um tópico chega a ter cinco páginas.

Quarto, muitas fotos de arquivo pessoal, da família e da carreira.

Quinto, revelações. Não sei até que ponto circunstâncias da prisão dela são conhecidas, mas pra mim foi surpreendente. Segundo ela, a prisão se deu numa época que ela estava grávida (de Beto Lee), e por isso estava limpa (o que não era o seu normal). A droga foi plantada e ela presa como retaliação a seu depoimento a respeito de um homicídio ocorrido durante um show que complicou a vida do réu, um policial. Tudo o que ela disse foi que a morte ocorreu dentro do teatro.

Outra revelação é que um homem que foi em sua casa consertar um aparelho na cozinha a penetrou com uma chave de fenda quando ela tinha três anos.

Por fim, detalhes de sua convivência com os irmãos Batista que certamente desagradarão imensamente aos fãs dos Mutantes. Mas, como ela mesmo diz em relação a eles e em relação ao Tutti-Frutti, basta ver quem foi que seguiu em frente com a carreira após cada saída.

O livro pode ser dividido em quatro partes:

1) Origem: sobre os pais, a casa, a irmãs, infância, adolescência, bichos, estripulias, férias no Guarujá. Isso dá umas 50 páginas que é um registro de época, uma leitura para todas as idades.

2) Mutantes: início da faculdade, bandas amadoras, aproximação do meio artístico, encontro com os irmãos Batista, Mutantes, quase carreira solo, Mutantes de novo, defenestração dos Mutantes.

3) Tutti-Frutti: retomada da carreira, início do Tutti-Frutti, nova decolagem da carreira, encontro do Roberto de Carvalho (vulgo Zezé), fim do Tutti-Frutti.

4) Carreira solo.

Sempre gostei da artista Rita Lee, mas nunca dei muita bola pra pessoa Rita Lee. Sempre a achei muito maluquete e falando muita bobagem. Não só bobagem, mas muita, com aquela intenção de “causar”, ir contra a corrente, provocar o status quo, particularmente o status quo artístico. Boooring…

Lendo o livro pude enterder porque ela agia dessa forma, e seu comportamento passou a fazer sentido pra mim. Poderia ter se poupado mais (e à família) nos anos 90, mas, enfim, são águas (que passarinho não bebe) passadas.

Live de aniversário do Caetano

Publicado 04/01/2022 por cheibub
Categorias: Caetano Veloso

Finalmente consegui ver a live do Caetano. Como não vi nada da turnê dele com os filhos, de cara me agradou aquela reunião familiar. Também de cara ficou a adesão ao fundo cultural esperto.

Na primeira metade, Caetano desfilou obviedades de seu repertório, sem nenhuma novidade na interpretação. Pulsar, por sua vez, conseguiu me fazer curtir a música pela primeira vez.

Nada contra um repertório óbvio com músicas lindas, mas dá aquela impressão que o repertório de Caetano não tem nada mais interessante do que seus hits. E ele tem! E, numa música e outra, ele parecia quase arrependido de revisitar o tema.

Contudo, a partir de “Reconvexo”, o negócio começa a decolar. Os filhos vão ficando mais soltos e conversando mais. A apresentação de “Todo homem” foi de arrepiar. E em “Trilhos urbanos” ele mostrou a diferença entre apresentar uma música batida com tesão e sem tesão. “Nu com a minha música” foi o grande momento “lado B” da noite.

Sabemos que Caetano está longe de ser uma pessoa humilde, mas ele consegue ser incrivelmente humilde com sua arte. E, o mais importante, tem a seu redor filhos que o amam e o admiram.

Alguma coisa acontece no meu coração quando escuto Caetano cantar. É como se ele conduzisse a música a seu lugar de pertencimento

BOWIE, A BIOGRAFIA

Publicado 27/12/2021 por cheibub
Categorias: David Bowie, Livros

Um dia depois de ter terminado de ler “Bowie, a biografia”, descobri que seu autor, Marc Spitz, faleceu em 2017 (o livro é de 2009). Como o tom do livro pende muitas vezes para o pessoal, isso mexeu comigo, ainda mais por Marc ser apenas alguns meses mais novo do que eu. Partiu muito cedo.

Outra curiosidade é que ganhei o livro de presente da minha esposa, que queria me dar um livro sobre Bowie mas não sabia qual (há vários). Então esse livro foi parar nas minhas mãos graças a um equívoco do livreiro, que confundiu Marc Spitz com Bob Spitz, que escreveu sobre os Beatles. Marc é mais conhecido do que Bob, mas os livros biográficos de Bob (Reagan, Beatles, Dylan, Julia Child) são mais conhecidos que os de Marc (Green Day, Bowie, Jagger). Além do jornalismo, Bob trabalhou diretamente como “manager” no meio musical. Já Marc escreveu dois romances e uma série de peças. Ambos também escreveram livros de não ficção sobre o cenário cultural. Ambos são de Nova York, mas a principal diferença é que Bob ainda está vivo.

Saber que Marc escreveu 13 peças e dois romances ajudou a entender porque sua biografia de Bowie é do jeito que é. Foi uma boa leitura, mas eu não leria outra biografia não autorizada dele.

Biografias não autorizadas são problemáticas. O mais perto que o escritor pode chegar do biografado é através de entrevistas já publicadas, ou lendo biografias autorizadas, caso haja alguma. De resto, só sobra entrevistar uma penca de pessoas que viveram ao redor do artista em algum momento da vida: músicos, produtores, amigos, familiares, colegas de escola etc. Quase sempre, o manancial mais revelador está na vida antes da fama, quando o biografado é apenas uma pessoa comum, querendo ser conhecido ou sem se preocupar tanto com sua privacidade. Depois de atingida a fama, é como invadir um cofre de cassino em Las Vegas.

Peter Ames Carlin escreveu uma excelente biografia sobre Bruce Springsteen, que acabou lhe concedendo algumas entrevistas perto do final. Só a família ficou de fora. Mas seu livro sobre Paul McCartney sofre bastante com a limitações expostas acima.

Philip Norman escreveu uma biografia fantástica de John Lennon, mas contou com a colaboração de Yoko Ono e Sean Lennon. Mark Blake teve acesso a Roger Taylor e Brian May para escrever sobre o Queen. Sylvie Simmons, a Leonard Cohen. Tom Doyle pôde conversar com Elton John, mas, ao escrever sobre Paul McCartney, teve a feliz ideia de fazer um trabalho jornalístico restrito à década de 70.

Bem, o mais perto que Marc Spitz chegou de David Bowie foi assistindo um show da turnê Glass Spider nos anos 80 e vendo-o chamar um táxi a um metro dele numa esquina de Nova York. Da família, só mesmo a ex-esposa, Angie Bowie, mãe de Duncan Jones, que já havia escrito ela mesmo uma autobiografia sobre a vida do casal.

A ideia de escrever uma biografia de Bowie não partiu do autor, mas do editor. O próprio Marc não via muito sentindo em escrever sobre um artista sobre o qual muitos já haviam escrito, e chega a citar dois livros excelentes a respeito. O que escrever de novo sem a ajuda do próprio?

Desconheço como são os livros por ele citado, mas, no caso desse livro, o que menos funciona é o lado biográfico. Ele relata bem a vida pregressa de David Jones antes da fama, e é incrível como tenha demorada quase seis anos para acontecer, enquanto todos da sua geração, inclusive amigos, iam fazendo sucesso. Não se trata de um Renato Russo ou um Eddie Vedder que teve sua oportunidade com uma idade mais avançada que os demais. Bowie conseguiu contrato com gravadora cedo. Todos acreditavam muito em seu potencial, mas a coisa simplesmente não acontecia. Com Space Oddity, quase aconteceu, mas não foi. Só foi acontecer com Ziggy Stardust.

Essa trajetória é mesmo de tirar o fôlego, e conta muito o testemunho de ex-empresários, ex-namoradas, ex-esposas, velhos amigos. Contudo, Marc não se furta a dar uma de Galvão Bueno narrando as corridas do Senna, tentando adivinhar o que se passava na cabeça do piloto. Nessas horas eu respirava fundo e corria com a leitura.

Por ter mais acesso aos empresários e pessoal das gravadoras e do staff de Bowie, o livro apresenta uma boa visão da estratégia de marketing que aparenta ter sido mais eficaz do que o talento para tirar Bowie do ostracismo. Não que Bowie tenha sido um produto de marketing, mas o seu sucesso sim. Estamos falando de uma cena que deixou pelo caminho talentos como Nick Drake, Tim Buckley, Badfinger, Big Star, e não recebeu com muita empolgação a estreia solo de Lou Reed e muito menos Iggy Pop e os Stooges.

Assim como ocorre na biografia censurada do PC sobre Roberto Carlos, o livro é repleto de minibiografias. Creio que isso é essencial e nem sempre acontece nos livros biográficos: a pessoa está ali dando o seu depoimento, mas que é ela, o que ela representa? Muitas vezes a introdução do personagem é sucinta. Tanto PC quanto Marc separam no texto a parte que lhe cabe daquele latifúndio.

Uma qualidade do livro é que a narração não voa rápido depois de determinada época, comum em carreiras longevas. Nesse ponto Marc faz jus a sua condição de fã de Bowie e trata cada lançamento, filme ou colaboração do artista com a mesma dedicação dos grandes álbuns. Depois a leitura, passei a me interessar por outros discos de Bowie, inclusive o Tin Machine. Assim, muitas vezes eu tinha sensação de que havia se passado um par de anos, mas a cronologia só avançara alguns meses. Um defeito é que a cronologia muitas vezes não é estabelecida, o que leva mesmo o leitor a ficar um pouco perdido e se pergunta: mas em que ano estamos?

Antes de escrever o livro sobre o Green Day, Marc havia coescrito um livro sobre a cena punk de Los Angeles. Quando ele avança sobre essa área, a cena musical e cultural de determinada época, o público, a expectativa dos fãs, como isso influenciava a arte de Bowie e como ele impactava a cena, o livro decola. Talvez se ele tivesse se interessado menos pela abordagem biográfico e abordado o livro desde o início com esse foco, provavelmente teria sido um livro melhor, mais essencial.

O livro oscila entre a biografia, a crítica musical (em alguns discos chega a analisar várias faixas) e análise sociocultural. Cada abordagem não atinge o mesmo nível de qualidade. Marc, talvez por ser dramaturgo, possuía verve opinativa incontrolável. Ele tece comentários depreciativos e debochados, como quando fala de “Labirinto” (é uma nauseante gororoba sub-Spielberg misturada aos Muppets) ou reclama da faixa “ridícula” na cabeça de Mark Knopfler. Comentários desnecessários em uma biografia, mesmo eu não gostando do filme.

Detectei pelo menos um deslize grave, partindo de um jornalista de música, quando coloca o U2 se apresentando na Filadélfia durante o Live-Aid. Ainda mais sabendo que ele também gosta do U2. Não se trata de um erro banal: as apresentações do Queen e do U2 foram consideradas as mais emblemáticas do Live-Aid (na sequência: U2, Dire Straits, Queen, David Bowie). E aí sempre rola aquela pulguinha: que outros erros terão no livro que eu não me dei conta?

Em muitos capítulos, Marc resolve finalizar falando da vida dele, numa tentativa de mostrar uma conexão com a história de Bowie. Essas passagens são identificadas por itálico. E raramente funcionam a contento.

Por fim, as fotos encerram a edição. Todas em preto e branco. Ao contrário do que ocorre no texto, até 1977 temos 12 páginas de fotos (uma de 71 em que ele está assustadoramente parecido com Kurt Cobain). Daí em diante, míseras duas páginas com quatro fotos (1983, 1989, 1997, século XXI).

CAPTAIN FANTASTIC

Publicado 23/12/2021 por cheibub
Categorias: Elton John, Livros

Após conferir “Rocket Man” nos cinemas, parti pra minha biografia do Elton John. Mesmo ciente da proposta alegórica da direção, foi impossível não comparar a leitura com as informações do filme. Como previa, muitas alterações na história real. Mas falarei sobre isso no final.

“Captain Fantastic – a espetacular trajetória de Elton John nos anos 1970”, publicada no Brasil pela Benvirá, é uma das diversas biografia feitas sobre cantor. Mas, neste caso, o jornalista Tom Doyle (que escreve pra revista “Mojo”) propõe uma imersão nos anos 70, a mesma proposta seguida em outro livro do autor, “Man on the run”, no qual descreve a trajetória de Paul McCartney nos anos 70.

Livros e, principalmente, filmes que recortam um período específico da carreira do biografado tendem a ter um resultado mais satisfatório do que aqueles que tentam abarcar toda a vida ou carreira (uma rara exceção é a biografia de Philip Norman sobre John Lennon, mas ali são mais de 800 páginas e apenas 40 anos de vida). No caso de “Capitain Fantastic”, o livro começa um pouco antes da década anunciada, em 1968, e faz algumas breves visitas à infância e adolescência do cantor, e, nas últimas páginas faz um breve resumo da vida do artista até a atualidade. Não me surpreenderia se este livro tiver servido como base para o filme.

O foco do livro é a carreira, sendo aspectos pessoais expostos em segundo plano. Não se trata propriamente de uma biografia autorizada, mas a base do livro foram diversas entrevistas feitas com o autor para uma publicação da “Mojo”. Como o material cortado era extenso e extremamente interessante, Doyle resolveu escrever a biografia, lançando mão de entrevistas complementares com outras pessoas da vida de Elton e, como não podia deixar de ser, pesquisa em entrevistas já publicadas e biografia anteriores de Elton e de outros artistas, como Led Zeppelin, Groucho Marx, John Lennon e Rod Stewart. Aliás, a amizade entre Elton e Rod é um capítulo à parte.

Gosto do estilo jornalístico de Doyle, leve, simples, objetivo, sem sensacionalismo, e ainda assim capaz de dar a cada momento o devido peso de sua grandiosidade histórica ou emotiva. Talvez pelo acesso generoso que teve com o biografado, Doyle usou de breves eufemismos para falar dos “ataques de pelanca” da celebridade Elton John. Mas não deixou de mencioná-las, acredito eu que retratando a própria visão autocrítica do cantor sobre seus atos passados.

De “Empty Sky” (1969) até “21 at 33” (1980), o livro conta a história das gravações turnês e contexto de disco a disco. Aos fãs de futebol, há relatos generosos do envolvimento de Elton com Watford, clube inglês que acaba de contratar João Pedro, a mais nova grande revelação do Fluminense. Outra narrativa paralela de interesse é a relação dele com a realeza britânica a partir da amizade com a princesa Margaret. E o livro narra com detalhes três encontros especiais de Elton John: com Groucho Marx, com Elvis Presley e a última apresentação pública de John Lennon, em um show de Elton no Madison Square Garden.

Feita a devida resenha do livro, vamos às diferenças e semelhanças com o filme.

Quanto ao pai, o filme pegou mais pesado, mas não tão distante da realidade. Doyle não faz menção ao segundo casamento e os meio-irmãos. Quando o menino Reg estava dando muito trabalho, o pai o colocava sentado ao piano, e ele se acalmava. Foi graças ao pai que Elton desenvolveu sua paixão pelo futebol e ao Watford.

A mãe de Elton, decididamente, ficou prejudicada no filme. A imagem que passa no livro é de uma mãe que sempre apoiou o filho, inclusive quando ele se declarou gay. Sheila ajudou na mudança quando ele saiu de casa para morar com John Reid e foi ela quem sugeriu a ele que Reid fosse o seu agente. A única coisa que deixou ela puta foi quando Reginald Kennet Dwight trocou oficialmente seu nome para Elton Hercules John.

Ao contrário do que faz parecer no filme, os pais se separaram quando Reg tinha uns 13 anos. O pai o achava um rebelde por causa do gosto musical, puxado pro rock, que lhe foi apresentado pela mãe. A razão da separação foi o envolvimento de Sheila com Fred, que tornou-se o padrasto de Reg. Fred sempre foi um entusiasta da carreira do enteado.

Sobre a namorada que aparece no filme, na vida real era uma namorada que Elton arrumou quando ele ainda morava com a mãe (e com Bernie). Pra ter mais privacidade, ele acabou indo morar com ela, e Bernie foi junto. Ela engravidou e Elton fez o mesmo que Lennon: pediu-a em casamento. Mas, ao contrário de Lennon, desistiu e foi posto pra fora de casa. A cena da desistência foi parecida com a do filme, mas em nenhum momento foi dito a Elton que ele era gay. A frase foi: “Reg, você está mais apaixonado pelo Bernie do que por essa mulher”. E ela sequer ligava pras músicas dele. O casamento com a engenheira de som alemã, que no filme ficou meio solto no tempo, durou de 1984 a 1988. Na época, ele já tinha se assumido bissexual.

O filho de Dick James (o dono da gravadora), Ray Williams e Steve Brown foram fundidos no personagem Ray Williams. A forma como Elton conheceu Bernie Taupin está bem fidedigna, mas Dick James não era o chato insensível mostrado no filme. Ele gostou das músicas apresentadas pela dupla e, quando “Empty Sky” fracassou, ele decidiu dobrar a aposta e fazer uma produção de primeira no segundo disco. Este, ao contrário do que parece, também fracassou na Inglaterra. Mas numa desses lances de sorte, o cara que foi contactado para distribuir os discos nos EUA, Russ Reagan, ficou chapado ao ouvir “Elton John”, e não teve dúvidas de que estava diante de um gênio. Foi dele a ideia e iniciativa de trazer Elton para o Troubador. Ele só não iria pagar a viagem. Dick James aceitou fazer mais esse investimento, dizendo pro filho, Stephen James, que seria a última chance do rapaz.

John Reid também foi demonizado no filme. Fora o fato de já terem se conhecido em Londres, tudo aconteceu como retratado no filme, numa festa em Los Angeles. Elton e Reid viveram juntos por cinco anos, sem se revelarem um casal. Reid era dois anos mais novo e, aos 21, aceitou com muita relutância ser empresário de Elton. Ao fazê-lo, o fez como empregado de Dick James, que gostou do acerto. Na época da renovação do contrato, a parta da produção ficou com a empresa américa que promovia o cantor nos EUA, e Dick James ficou com os direitos autorais, o que ele considerou um prêmio e reconhecimento pelos serviços prestados.

Reid era de fato briguento, partia pra cima de jornalistas e engenheiros de som, super protetor e galinha. Mas, apesar da separação sofrida, ele continuou empresariando o artista, como mostra no filme, e sendo seu amigo.

Após a internação, quando se encheu de remédios e pulou na piscina, ele não foi para um spa se tratar, ele deu uma puta show, com autorização dos médicos. Dois anos depois ele deu uma parada com os shows e resolveu investir no Watford. O tratamento contra o alcoolismo e as drogas ocorreu quase 15 anos depois, por influência de um namorado.

O livro fala muito da amizade e da relação artística entre Bernie Taupin e Elton John. De fato, eles nunca brigaram, mesmo quando se afastaram, época em que Bernie passou a fazer dupla com Alice Cooper.

Por fim, um dado curioso: a mãe, John Reid, os músicos, a crítica, todos se incomodavam com os excessos do vestuário de Elton John. Na verdade, se incomodavam com tudo o que, nas performances, tiravam o foco da música. Para Elton, possivelmente era uma forma de vencer a timidez ou se estimular e se manter focado… na música.

ROCKETMAN

Publicado 22/12/2021 por cheibub
Categorias: Elton John, Filmes e Séries

Quando assisti a “Bohemian Rhapsody”, tinha lido havia pouco tempo a biografia do Queen. Então curti o filme como se estivesse numa estrada cheia de quebra-molas, tamanhas eram as invenções sobre a história real.

Quando assisti a “Minha fama de mau”, foi o contrário. Curti o filme a riso solto, e saí do cinema com vontade de ler o livro. Identificar as divergências do filme foi um atrativo a mais.

Assim, quando estava pra pegar a biografia de Elton John escrita por Tom Doyle, me segurei: melhor deixar pra depois, a fim de não prejudicar a fruição do filme que estava para estrear. Mas logo no primeiro minuto de filme ficou claro que não era necessário tanto zelo.

Desde o início o filme se revela uma biografia alegórica, um musical, uma narrativa da qual o espectador pode esperar sinceridade, mas não realismo. Então bastava me ajeitar na poltrona e curtir a viagem. E que viagem!

Pra início de conversa, a performance de Taron Egerton se equipara a de Val Kilmer em The Doors. Egerton canta no filme e é Elton John. Jamie Bell também está excelente como Bernie Taupin. Não conheço o original para fazer comparações, mas ele incorpora de forma convincente a figura do melhor amigo que alguém pode ter, o Erasmo de Elton.

As músicas no filme são apresentadas de duas formas: como canções apresentadas pelo artista; e como musical, fazendo parte das falas dos personagens. Sim, há atores que saem cantando e dançando. Todo o tempo.

O filme mostra a infância de Elton, sua situação familiar, como ele entrou na música e como a carreira decolou. Esta é, realmente, a parte mais empolgante do filme. Sempre é. Em seguida, há um total desapreço a qualquer referência cronológica.

O filme aborda uns 20 anos da vida dele, mas há apenas a sensação de que o tempo passou, mas você não tem a menor ideia de quanto tempo foi. Como se fosse um náufrago numa ilha ou um prisioneiro em Guantánamo. De certa forma, faz sentido, pois desconfio que o Elton real também não tinha muita noção disso.

Depois que Elton conquista a América, sua carreira pouco importa. O arco é o emocional, os sentimentos, os afetos, o fundo do poço, a aceitação. Não dos outros, de si próprio. E não falo aqui da homossexualidade, pois a história, descobrimos nos créditos, já está chegando aos anos 90 (por falar em créditos, atenção neles: eles fazem uma ótima edição mostrando cenas do filme ao lado de fotos reais).

No geral, ainda que a história de Elton, como bem sabemos, é uma história de sucesso, a história de Reggie é pesada, triste.

Em tempo: a forma como Rocketman é cantada no filme me fez lembrar a inacreditável interpretação de William Shatner (é o tipo de coisa que, uma vez vista, é impossível desver).

QUEEN EXTRAVAGANZA

Publicado 22/12/2021 por cheibub
Categorias: Shows

Minha irmã e meu sobrinho entraram numa vibe de banda covers. Até que faz sentido: o meu sobrino não teve a oportunidade que nós tivemos de ver muitas bandas ao vivo. Eles já foram no Pink Floyd e no The Who, e meu irmão no Dire Straits e Elvis. E então ela me falou desse tal de Queen Extravaganza.

Nunca tinha ouvido falar e nem tentei me informar. Estava tão arrependido de não ter ido no show com o Adam Lambert que comprei no escuro, buscando ser surpreendido com o que ia encontrar. Só sabia que a banda era produzida pelo Brian May e Roger Taylor. Como o show seria no Municipal, até pensei que fosse algo no estilo rockestra. Mas não…

No fundo do palco, a imensa logo da banda. À frente, os instrumentos típicos de uma banda de rock. Nada de orquestra.

Então eles entram na penumbra, cabeludos. Seria o próprio Brian May? Então entra o baterista, que com certeza não era o Roger Taylor. Bem, é cover mesmo…

E aí entra o resto e a banda manda logo “One Vision”. Beleza, som bom, limpo, digno dos ingleses. E aí o vocalista me manda um “boa noite” muito bem articulado. Pensei: “este fez o dever de casa”. E aí mandou um “muito obrigado” sem sotaque. Será latino? E aí, antes de “Fat Bottom Girls”, começa a falar em português direto. Pow… o cara é brasileiro, meu!

Resumo da ópera (com trocadilho, por favor): o projeto Extravaganza foi montado pelo pessoal do Queen para ser a banda cover oficial do grupo. Junto com o tecladista Sipke Edney, que põe mais a mão na massa, eles mesmos selecionam e dirigem musicalmente a banda. Parece que ela existe desde 2011.

Nas turnês, o baterista americano Tyler Warren, que toca junto com Edney no Queen principal, atua como diretor musical. Outro americano, Brian Gresh, é o guitarrista. Tyler protagoniza um solo de bateria excepcional e Brian consegue tirar da guitarra o mesmíssimo som que seu xará.

Completam a banda o baixista canadense François-Olivier Doyon, mais discreto, assim como John Deacon (mas parecendo ter saída de uma banda cover do Metallica), o tecladista inglês Darren Reeves e o vocalista brasileiro Alírio Netto.

Alírio não tenta imitar Freddie Mercury, e foi orientado a não fazê-lo, o que é um ponto positivo do show. Fica claro sua formação no heavy metal. Eu comentava com a minha esposa que ele me lembrava o André Mattos, do Angra. E não é que eu descubro que ele já cantou com o Angra, e também com a banda Age of Artemis! Seu início de carreira foi no musical “Jesus Cristo Superstar”, e chegou ao Extravanganza por meio da produção brasileira do “We Will Rock You” em 2016.

Feitas as devidas apresentações, vamos ao show…

O repertório é bem greatest hits. Uma exceção é “Stone Cold Crazy”, levada por Tyler, que também canta outras músicas. Outra foi “Need your loving tonight”, só cantada na turnê do “The Game”. Ou seja, nada de surpresas. Acredito que “Spread your wings” se encaixaria muito bem na voz de Alírio, uma pena. Algumas funcionam melhor do que outras, mas todas são muito bem executadas. A plateia demorou um pouco pra esquentar (Municipal, né…), mas a coisa acabou pegando fogo.

E aí, ao perceber essa característica vocal da banda, intuí o que vinha pela frente: “Bohemian Rhapsody” ao vivo na íntegra. Dito e feito! Pô, nem a banda original bancou isso. Uma coisa é fazer isso num musical, outra numa banda de rock com cinco caras. Eu me arrepiei e quase fui às lágrimas.

Enfim, um puta show!

Um destaque é que todos cantam. Guitarrista e baixista, mais discretamente. Mas é interessantíssimo como eles se preocupam em reproduzir os arranjos vocais do disco ao vivo, coisa a qual nem o Queen com o Mercury se dedicava com tanto afinco.

Norah Jones in Rio

Publicado 15/12/2019 por cheibub
Categorias: Norah Jones, Shows

Em dezembro de 2012, tínhamos ingressos comprados para o show de Norah Jones no Vivo Rio, mas o pai dela, Ravi Shankar, faleceu no início da semana e o show foi cancelado. Então levou SETE anos para que pudéssemos vê-la ao vivo no Vivo.

Em 2012 ela havia lançado o bom …Little Brokens Hearts, que oferecia uma pegada mais pop. A partir de 2015 com o advento da paternidade, ficou difícil acompanhar lançamentos, de forma que seus álbuns mais recentes, Day Breaks (2016) e Begin Again (2019), são desconhecidos para mim.

Aos 33 anos, Norah Jones estava certamente no auge da forma física, mas aos 40 aparenta estar em plena maturidade artística. Voz precisa, aveludada, sabendo botar mais potência em determinados momentos.

Norah não deixou a plateia órfão de seus maiores sucessos. Senti falta apenas de ‘Sinkin’ Soon, de seu terceiro álbum. A sonífera (no bom sentido) Come away with me foi gratamente repaginada com guitarra em vez de piano. Sim, Nora Jones troca o piano pela guitarra em duas músicas. A outra foi a ótima Little Broken Hearts.

O percussionista Marcelo Costa a acompanha num set de três músicas. Numa delas, Sunrise, numa excelente versão, muito superior à do álbum, entra também um flautista, que havia tocado também na música de abertura, A outra canja do dia foi a de Jesse Harris, amigo da cantora e compositor de Don’t know why, que fez o bom show de abertura para uma plateia escandalosamente barulhenta. Harris me lembra muito Paul Simon em sua fase mais jazzística da carreira solo.

Por fim, Norah é acompanhada por um excelente dupla de baixo e bateria, que muitas vezes rouba a cena.

Sobre o Vivo Rio, uma das razões de ter encarado os ingressos caríssimos foi o fato de ser cadeiras, como em um teatro, e não aquelas odiosas mesas. Porém, podem tirar a mesma, mas a mesa não sai da mentalidade das pessoas. Assim, tivemos de conviver com atendentes trançando entre as fileiras para entregar comidas e bebidas nos assentos, equilibrando suas famigeradas lanterninhas na boca.

O público brasileiro, como de hábito, não para de falar um só minuto, pra não falar no vai e vem. Não à toa meus últimos shows, fora o Rock in Rio, foram no Teatro Municipal, o último bastião onde a música está em primeiro plano. Por sorte, o som da casa estava alto e límpido, nota 10.

 

Springsteen on Broadway

Publicado 26/04/2019 por cheibub
Categorias: Bruce Springsteen

Springsteen

De outubro de 2017 a dezembro de 2018, Bruce Springsteen protagonizou uma série de 236 apresentação no Walter Kerr Theatre, em Nova York. As apresentações dos dias 17 e 18 de julho foram gravados para um especial da Netflix, disponibilizado um dia após o término do espetáculo.

Springsteen on Broadway é um talk and singing show. No palco, apenas Bruce, ora com o violão, ora ao piano, às vezes com uma gaita. Fala mais do que canta, pois o espetáculo pode ser considerado uma turnê de seu livro de memórias. Porém, ele não fala de sua carreira. O tom confessional é direcionado à família e aos anos em Freehold, New Jersey, até sua saída da região. Bruce fala dele, dos pais, dos companheiros já falecidos, de sua cidade natal, dos anos de luta antes de assinar contrato com uma gravadora.

As músicas servem de moldura à narrativa, numa estrutura similar, porém invertida, a sua apresentação no programa Storyteller da VH1Como de hábito, algumas canções são bastante transformadas. Ele recebe apenas um convidado no palco, a esposa Patti Scialfa. Juntos eles cantam Tougher than the rest e Brilliant Disguise, o que é curioso, uma vez que esta diz respeito a seu primeiro casamento, com a atriz Julianne Phillips.

Bruce talvez seja o maior contador de histórias vivo do rock, e certamente o melhor contador de sua própria história. Sua narrativa é tão impactante e envolvente quanto a sua música. Diria que ele tem um tom melancólico de júbilo. Ao falar do pai, canta às lágrimas. Anima a plateia ao homenagear a E Street Band em Tenth Avenue Freeze-out. E talvez seja a melhor versão de Dancing in the Dark, que bem poderia ser Dancing with  the Darkness. Aliás, este poderia ser o título do show.

Aos 68 anos (na época da gravação), Bruce ainda esbanja vitalidade e surpreende com sua capacidade de reinventar-se continuando o mesmo.

 

Minha fama de mau

Publicado 12/04/2019 por cheibub
Categorias: Erasmo Carlos, Livros

Minha fama de mau

Depois que assisti ao filme Minha fama de mau, saí do cinema me coçando pra descobrir o quanto dali era verdade e o quanto não era. Afinal, já estava vacinado com o Bohemian Rhapsody. A diferença é que a biografia do Queen eu já conhecia.

Dito e feito. Boa parte do filme é ficção. Na parte de “origem”, o filme é suficientemente fiel. Faz algumas adaptações aceitáveis, como o fato do Erasmo não estar no escritório quando a esposa do advogado deu o flagra, ou eles terem fugido da polícia quando roubavam o encanamento da casa em ruínas. Por outro lado, alguns eventos abordados no filme estão mais engraçados e “cinematográficos” no livro. Vai entender…

Outras mudanças acabam provocando distorção. Erasmo de fato substitua Carlos Imperial na rádio, se fazendo passar por ele. Mas isso era rotineiro e apoiado por Imperial. Erasmo Carlos já era cantor na época, mas Imperial queria que ele fosse produtor. Esse detalhe é importante porque o afastamento se deu por fato completamente distinto.

Erasmo entrou nos Snakes, que por sua vez surgiu após a implosão dos Sputniks (após a briga entre Roberto Carlos e Tim Maia), e não aquele que teve a ideia do conjunto.

A briga entre Roberto e Erasmo não provocou o fim da Jovem Guarda e nem levou Erasmo àquela depressão profunda. Eles continuaram gravando o programa, mas sem se falarem nos bastidores. Durante a Jovem Guarda, Erasmo morava em São Paulo, e ficou de fato um período perdido após o seu fim. O reboot do astral se deu quando decidiu voltar pro Rio, quando conheceu Narinha em um baile de carnaval, acompanhada por Taiguara.

E não preciso dizer que “Amigo” foi composta quase dez asnos depois do que foi mostrado no filme, né?

Bem, dito isso, ao livro.

O filme retrata muito bem o clima do livro. É a mesma linguagem narrativa. Lances rápidos, episódicos. A autobiografia lembra muito a estrutura da autobiografia de Rita Lee (lançada depois), com capítulos curtos dedicados a temas ou eventos específicos. Com isso, o livro não segue uma cronologia linear. Se ele fala de futebol, ela vai falar tudo sobre a relação dele com o Vasco. Se ele narra um encontro com Chico Buarque, ele fala de todos os causos envolvendo os dois. Há um avanço no tempo, mas cheio dessas idas e vindas.

O livro bem poderia se chamar “Festa de Arromba”, pois ele fala de muita gente: Rita Lee, Ronnie Von, Chico, Gal Costa, Simonal, Jorge Ben (com quem dividiu casa no primeiro ano em São Paulo), Julio Iglesias e muitos outros.

Sobre Roberto Carlos, dedica um enorme espaço, mas de forma bastante superficial e discreta, centrando apenas na formação da amizade e da forma como compõem juntos. Ele sabe o amigo que tem.

Discrição também é a tônica do livro no que se refere aos amigos, pois quanto a ele próprio, não se constrange em fazer revelações bem pessoais. É bem cuidadoso ao falar de Wanderléa e, curiosamente, fala de Maria Bethania sem contar o início da amizade deles. Detalhe que é a única pessoa com quem ele faz isso.

O livro ganha mais linearidade quando ele chega aos 40. Fala do Rock in Rio, das turnês, mudança da cena musical e muito da ex-esposa. Aliás, quase nada acrescenta após a morte dela, por suicídio.

Erasmo não se preocupa em fazer literatura. A linguagem é simples, como quem conta um caso na sala de estar ou compartilha lembranças com os filhos. Algumas podem ser interessantes ou divertidas apenas para os envolvidos. Ainda assim, o saldo é pra lá de positivo.

Um “bônus” do livro é o retrato do cotidiano de cada período, com ruas, armazéns, lojas, produtos e tipos urbanos. Ainda que sem ênfase, Erasmo dá boas pinceladas de crônica urbana.

Um dado curioso, pra mim, é a voz narrativa na minha cabeça. Na fase coberta pelo filme, a imagem que vinha era a do ator, não do Erasmo real. Este só aparece nos anos 70, e quando começa a destrinchar os encontros proporcionados pelo show buisness. Mais maduro, me vinha à mente o saudoso Zeno, pai do meu amigo Carlos Klimick. Sei lá por que cargas d’água eu sempre fiz essa associação: o jeito de olhar, de mexer a boca, o corpanzil. Vai entender…

RINGO

Publicado 26/02/2019 por cheibub
Categorias: Livros, Ringo Starr

Ringo

 

A biografia escrita por Michael Seth Starr (“não somos parentes!”), infelizmente, trata-se apenas de uma longa reportaqem escarafunchando tudo o que já foi publicado sobre Ringo Starr. Nem o biografado nem ninguém próximo a ele foi entrevistado exclusivamente para o livro. As entrevistas feitas pelo autor se limitam aquelas feitas com pessoas periféricas ou cuja proximidade ocorreu em algum lugar do passado. Portanto, nada de revelações bombásticas ou insights reveladores. Contudo, a pesquisa é muito bem feita e vale a leitura.

Em primeiro lugar, por ser o menos badalado dos quatro Beatles, a maior parte da sua vida pessoal soa como notícias fresquinhas. Ringo não era exatamente um Don Juan, mas fazia suas farras. E teve três relacionamentos mais sérios na vida, e dois casamentos. E esticou o Lost Weekend de Lennon por quase 15 anos. E nisso podemos encontrar uma surpresa.

Quem conhece os problemas de Ringo com o álcool, logo pensa que foi devido ao pouco sucesso de seus discos ou de sua carreira como autor, ou ainda a sua pouca criatividade, que eles mesmo reconhece. No entanto, ao ler sobre sua vida nos anos 70, chegamos a outra conclusão: seu ostracismo se deveu ao seu alcoolismo, e não o inverso.

Ringo vinha de dois bons discos, Ringo (73) e Goodbye Vienna (74), respectivamente o 3° e 4° da carreira; havia dirigido um documentário sobre o T.Rex e atuado em um filme elogiado, That’ll be the day, que também contava com Keith Moon. Apesar da critica positiva, teve preguiça de participar da sequência, Stardust. Mas o desleixo com que passou a gravar seus discos e escolher seus projetos cinematográficos, pensando mais no quanto iria se divertir, começou a queimar toda a gordura de boa vontade que a mídia e o público tinham com ele. Pra piorar, vieram os terríveis anos 60, que feriu de morte, com raras exceções, os artistas que começaram suas carreiras nos anos 60. Rolling Stones, George Harrison, Jethro Tull, Paul McCartney, Pink Floyd, Bob Dylan, Elton John, a maioria passou por um inferno astral no período. Inclusive no Brasil. No cinema, Ringo ainda obteve um sucesso com Caveman, onde conheceu sua segunda esposa, Barbara Bach, mas precisou de uma baba durante as filmagens pra não enfiar o pé na jaca.

Em 1988, Ringo e a esposa entraram num spa de reabilitação (que funcionou!) e ele recuperou a dignidade e a simpatia da mídia com o lançamento americano da série infantil do trenzinho Thomas, de cuja versão britânica ele havia sido o dublador da primeira temporada (e não continuou porque não quis). Quanto à carreira fonográfica, apesar das críticas bastante positivas ao seu retorno em 1992 com Time Takes Time, o álbum não vendeu. Mas as turnês com a All-Starr Band, iniciadas em 1989, a partir da iniciativa do produtor David Fishof, que praticamente definiu o que o sóbrio Ringo faria até o final da vida.

Em segundo lugar, depois ler biografias de Paul e John, e assistir ao documentário sobre George, foi curioso revisitar o período dos Beatles do ponto de vista daquele que sentava atrás da bateria. Nessa parte, que toma bastante espaço no livro, já se sabe de antemão tudo o que vai acontecer, mas é divertido ver os outros três como figurantes, ainda mais sabendo o que eles estavam aprontando naquela época.

No que diz respeito ao relacionamento de Ringo com os três após a separação, fica evidente o apoio que os três sempre deram à carreira do amigo, principalmente George, no início. Mas John também foi muito generoso. Ringo foi o último Beatle a ver com John com vida. Ele e Barbara estiveram no Dakota um mês antes para falar do próximo álbum de Ringo, uma vez que John havia voltado à música. Ringo conta como ele estava feliz e que separou duas músicas para o amigo: Nobody told me e Life begins at 40. Lennon deixou agendadas datas em janeiro de 1981 para as gravações.

Em terceiro, como costuma ocorrer nessas biografias, o período mais instigante é o pré-fama. Como a pessoa ainda não é famosa, ela vive em aberto, sem se preocupar em se preservar ou falar e fazer besteira em público. E os amigos e conhecidos que ficaram pra trás não se importarão em se sentir importante ao dar entrevistas sobre aquele conhecido famoso.

Por fim, a parte técnica de Ringo é comentada ao longo do tempo. Ringo sofre muito com críticas. Ele se reconhece como uma pessoa pouco criativa e de técnica limitada, mas sabe o seu valor. Por ser autodidata, acabou criando um estilo próprio e até mesmo técnicas próprias que, devido ao impacto causado pelos Beatles, passou imitado por uma legião de jovens bateristas. E todos são unânimes em exaltar a capacidade rítmica do Baterista Mais famoso do Mundo, preciso como um metrônomo. Hoje, Ringo é mais reconhecido por seus pares do que foi nos anos 60, 70 e 80. No final do livro, há um epílogo com depoimentos de Phil Collins, Max Weinberg, John Densmore e Kenny Aronoff.