
Joshua Tree Tour sempre foi o show que eu quis ver. Acho que eu trocaria todos os shows que eu vi na vida (ok, menos o do Queen no Rock in Rio) para estar em um daqueles shows filmados em Rattle & Hum. Portanto, não preciso dizer o que significou pra mim saber que o U2 iria fazer uma tour especial de 30 anos do disco.
Tratei logo de garantir meu ingresso para um show em Barcelona. O problema é que meu segundo filho estaria recém-nascido. Mas, antes disso, foram anunciados os shows em São Paulo. Vendi o ingresso de Barcelona e comprei duas noites em São Paulo: dias 19 e 22 (primeira e terceira de quatro noites) no Morumbi.
Pela primeira vez, não quis saber de nada sobre a turnê. Não li sobre nenhum setlist, não assisti a nenhum vídeo. Mas, na última hora, deixei escorregar o mouse pro setlist do show em Santiago. Ele era quebrado em três atos: um com quatro músicas pré Joshua Tree, tocados no palco B sem telão. O segundo composto de todo o álbum, na ordem do disco. O terceiro com sucessos posteriores. Talvez tenha sido a turnê mais engessada dos irlandeses.
Costumo dizer que, para ver um show, é preciso vê-lo duas vezes. Na primeira vez, a adrenalina faz com que aquela experiência se dissipe rapidamente. É como back-up. Quem um, não tem nenhum. Por isso, a minha primeira noite, lá no alto da arquibancada em um fim de tarde escaldante, foi como um ensaio geral. A minha segunda noite, nas cadeiras inferiores do Morumbi, em uma noite chuvosa, é que seria a experiência real. Não sei se por isso ou se de fato, a segunda noite foi musicalmente espetacular. Tanto para o U2 quanto para o show de abertura com Noel Gallagher.
Dessa primeira noite guardo, como inesquecível, o snippet de Heroes em Bad e uma versão avassaladora de Vertigo, turbinada pela antecessora Elevation. Mas, acima de tudo, a capacidade de revitalizar uma canção já batida: Sunday Bloody Sunday. Há tempo que sua inclusão no setlist causava um certo enfado. Mas, ali, abrindo o show… ouvir a bateria de Larry como o primeiro “big sound” da noite… espetacular!
O lado negativo, pra variar, veio do público (devo dizer, aliás, que é o primeiro show no Brasil onde a organização estava melhor preparada que o público). Já em Running to stand still, pouco tocada nas últimas turnês, a galera começou a aproveitar pra conversar e consultar seus celulares. Foi assim até o fim do lado B de Joshua Tree: justamente o mais importante pra mim. Como eu tive o azar de NUNCA ter visto ao vivo Running to stand still ao vivo (logo uma das minhas favoritas). Foi uma sequência de sete músicas inéditas!!! Afinal, Red Hill Mining Town nunca havia sido tocada ao vivo. Exit e Trip through your wires, só na Joshua Tree original. As outras três foram tocadas bissextamente.
Fiquei hospedado com minha família em um condomínio ao lado do estádio, bem em frente justamente do portão de acesso à arquibancada daquela primeira noite. À tarde, pude ouvir da minha varanda a passagem de som (a base pré-gravada de Where the streets have no name). Parecia estar dentro de um filme. O som era forte e claro. Dava pra escutar tudo. Estava do lado certo do vento. E assim foi o som em todas as noites: alto e claro. Em menos de 10 minutos após o encerramento com One, já estava em casa com meu filho nos braços. No sábado, abri uma cervejinha e fiquei sentado na varanda só escutando… até o meu filho começar a chorar.
No domingo, lá estava eu de novo. Dessa vez pra valer. A chuva não cessava e chegou a cair durante parte do show do Noel. Mas, como o U2 nasceu virado pra lua, nem uma gota durante a apresentação dos irlandeses. Dessa vez consegui comprar o copão de cerveja e uma camiseta da turnê (não qualquer camiseta, mas a única que eu realmente queria). Coincidências da vida, sentei entre um casal carioca e uma família de Fortaleza, e bem na frente do camarote do São Paulo.
Já no sábado (da varanda) eu havia sentido a resposta do público mais intensa do que na quinta. O mesmo ocorreu no domingo. Se Sunday Bloody Sunday surgiu revitalizada, Pride, que encerra o primeiro ato, soou mais batida e cansada. Senti falta de algo do Boy, como I will follow (que seria tocada na quarta no final, como ocorrido em Santiago) ou Out of control . Um snippet que eu sempre quis ouvir Bono cantando era Rain, dos Beatles. Estimulado pela chuva do dia e o encontro com Paul McCartney no início da semana em São Paulo, lá vem ele com a música toda em Bad. Morri. Na passagem para o set de The Joshua Tree, pude, vendo mais de perto, perceber sutilezas que antes haviam me escapada. É arrepiante!
Por mais sensacionais que sejam, as quatro primeiras músicas eu já havia escutado nos shows anteriores e se tornaram comuns nos setlists da banda. O uso do telão, mais como uma moldura visual das canções do que um registro para quem está vendo de longe, é fantástico. Em I still haven’t found what I’m looking for, ele manda o cover de Stand by me, que toca no encerramento do show e sempre faz a galera cantar. Ele deve ter reparado isso, pois na quinta e no sábado ele não havia cantado. E ficou nítida a improvisação de momento. Durante o lado A, predomina a paisagem panorâmica. No lado B, as imagens são mais interativas.
Em Red Hill Mining Town, o arranjo é todo reformulado e aparece no telão um conjunto de sopros que acompanha a banda. A releitura do hard rock para o coreto da praça é magnífica. In God’d country talvez seja a canção com a versão mais fiel ao disco. Trip through your wires foi, para mim, a grande surpresa da turnê. Mesmo na turnê original, sua execução soava um tanto apagada. Nesta, foi uma das melhores canções da noite. Particularmente no domingo, onde ela começa com uma pegada meio funkeada. One Tree Hill, com sua batida atemporal e moderna, foi a que mais atraiu a atenção do público desinteressado em ouvir o que não conhecia. O vigor de Exit revela o quão equivocado foi o seu prolongado exílio dos palcos. Por fim, Mother of the disappeared foi pura poesia, com um belo solo do Edge.
Pequena pausa e a banda volta com um set matador: Beautiful day, Elevation e Vertigo. O estádio pula sem parar. O falso fim de Vertigo e seu retorno com Rebel Rebel é de lavar a alma. Em novo intervalo, eu comento com o casal do meu lado que eles costumavam tocar Mysterious Ways na turnê, mas que em São Paulo ela tinha ficado de fora. E qual são os acordes que eles tocam na volta? Pois é… na minha segunda noite ganhei uma música a mais.
You’re the best thing about me, música do até então novo single, foi ouvida com polida atenção, mas sem empolgar. O que empolga mesmo é a homenagem às mulheres no telão em Ultraviolet. Já se sabia que apareceria uma homenageada brasileira, só não sabia que apareceriam tantas. Enquanto do Chile aparece Michelle Bachelet, no Brasil eles prudentemente deixaram a política de lado (Tarsila do Amaral, Irmã Dulce, Taís Araújo, Maria da Penha), o que significa que estão bem informados sobre o que se passa por aqui. Por fim, o encerramento com One.
Um show redondo, sóbrio, perfeito. Como o disco celebrado.