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George Harrison, parte 4 de 4: A resposta está no fim.

07/09/2015
Cloud 9 (1987), George Harrison.

Cloud 9 (1987), George Harrison.

George Harrison resolveu não correr riscos em seu retorno aos discos (nos anos 80, um hiato de cinco anos, hoje coisa comum, parecia uma eternidade), chamando o amigo Jeff Lynne, líder da Electric Light Orchestra, para coproduzir o álbum. A parceria rendeu ainda três composições, sendo que duas delas, This is Love e When we was Fab, estão entre os maiores sucessos do álbum. A segunda é uma referência à época dos Beatles não só na letra, mas também na estrutura musical.

A volta foi em grande estilo. Cloud 9 foi muito bem recebido pela crítica e emplacou vários sucessos. O toque de Lynne na produção garantiu o equilíbrio ideal dos elementos pop com o estilo de Harrison. Enquanto This is Love, Fish on the sand e Devil’s Radio incorporam bem o pop rock, a faixa-títuloWreck of the Hesperus remetem ao blues rock. Das três baladas, duas são oriundas do filme Shangai Surprise: Just for today e Someplace Else.

Mas o maior sucesso do álbum, tanto nas rádios quanto na MTV, foi o cover de um rock obscuro de 1962, gravado por James Ray e composto por Rudy Clark: Got my mind set on you, que atingiu o primeiro lugar nas paradas americanas.

Ao contrário do que ocorre na discografia de Lennon e McCartney, que preferiram dedicar álbuns inteiros a composições alheias, covers não eram incomuns nos álbuns de George Harrison, estando ausentes apenas de três deles. As versões de George, seja em If not for you de Bob Dylan, na modificada Bye Bye Love em Dark Horse,  na modernizada True Love de Cole Porter em Thirty Three & 1/3, ou neste sucesso de 87, ganham brilho autoral, soando como composições próprias.

A gravação de Cloud 9 foi uma ação entre amigos. Além da colaboração de Lynne, Harrison contou com a participação de Eric Clapton, Ringo Starr, Ray Cooper, Elton John (que se recuperava de uma cirurgia na garganta e decidiu curtir uma de músico de estúdio), além de velhos companheiros dos anos 70, como Gary Wright no piano, Jim Keltner na bateria e Jim Horn no sax. Talvez esse clima de camaradagem o tenha inspirado a partir, já no ano seguinte, para o projeto Travelling Wilburys, o supergrupo formado pelo ex-Beatle, Lynne, Bob Dylan, Tom Petty e Roy Orbison.

The Travelling Wilburys vol 1 (1988).

The Travelling Wilburys vol 1 (1988).

Após a conturbada turnê de 1974, Harrison só subiu aos palcos em pequenos eventos comemorativos ou beneficentes. Em 1992, fez uma pequena tour no Japão com Eric Clapton e um concerto no Royal Albert Hall, apresentando aquilo que poderia ter sido uma bem sucedida Cloud 9 Tour. E foi só. Ele e Lennon foram os Beatles que se mantiveram fiéis à oposição a concertos manifestada em 1966, deixando bem claro quem foram os responsáveis pelo fim da Beatlemania.

Por dez anos. Harrison manteve distante no horizonte a perspectiva de um novo álbum, sempre aproveitando qualquer desculpa para postergar o projeto. A melhor dessas desculpas foi o projeto Anthology. Quando um maluco invadiu sua mansão em Friar Park e o esfaqueou, Harrison, que se recuperava na época de câncer no pulmão, percebeu que não lhe restava muito mais tempo para fazer seu próximo álbum.

Contando dessa vez com a ajuda do filho Dhani Harrison, chamou novamente o velho amigo Jeff Lynne e deixou tudo bem encaminhado para que o disco fosse finalizado após a sua morte em novembro de 2001. Brainwashed foi finalmente lançado um ano depois.

Tanto Cloud 9 quanto Brainwashed são muito bem produzidos, sem nenhuma faixa ruim. É possível que se deva ao toque de Lynne o fato de o último álbum de Harrison, que reúne faixas esparsas no tempo, soe como uma obra homogênea.

Brainwashed (2002), George Harrison.

Brainwashed (2002), George Harrison.

Brainwashed abre com Any Road, um folk rock composto ainda em 1988. Run so far é uma composição para um álbum de Eric Clapton de 1989, JourneymanRocking Chair in Hawaii vem das seções de All Things Must Pass, de 1970. O cover de Between the Devil and the Deep Blue Sea, um clássico dos anos 30 que mereceu as vozes de Ella Fitzgerald e Frank Sinatra, foi recuperado de uma apresentação para TV de 1992.

Metade das canções novas reflete questões existenciais relacionadas à doença e à morte. Uma delas, Looking for my life, é inspirada pelo ataque sofrido. A única faixa instrumental do álbum, Marwa Blues, ganhadora de um Grammy em 2004, é um retorno de Harrison à música indiana. A faixa-título, uma crítica político-social com mensagem espiritual, encerra o álbum com o mantra Namah Parvati entoado por George e Dhani.

A despeito dos quase 15 anos que separam os dois álbuns, cabe dizer que George Harrison iniciou e encerrou sua carreira solo com dois excelentes álbuns em cada extremo, possivelmente seus quatro melhores. No miolo, há dois álbuns bem recebidos pela crítica, Thirty Three & 1/3 e George Harrison, antecedidos por dois álbuns subestimados e prejudicados por circunstâncias da época alheias ao espectro musical (Dark Horse e Extra Texture), e seguidos por dois álbuns menos inspirados e que retratam um gradual desinteresse do artista pela indústria musical e vice-versa (Somewhere in England e Gone Troppo). Ainda assim, é inadmissível que se tenha a sua discografia em tão baixa conta e suas músicas fora de evidência.

George não chegava a ter uma grande voz, mas tinha força emotiva. Poderia até haver guitarristas mais habilidosos do que ele (em Taxman, Paul teve que fazer o solo da música, pois George não conseguia acertar), mas ele conseguiu imprimir uma identidade em seu jeito de tocar, algo muito mais difícil. Não era um letrista por vocação, como John e Dylan, mas, quando tomado pela inspiração, conseguia ótimos resultados (eu diria que Paul é como George, mas pensa que é como John). Como compositor, apesar de ter largado atrás de seus colegas de Beatles, atingiu um grande domínio melódico. Suas composições têm fluidez e proporcionam boas viradas de clima. Raras são as faixas monótonas ou clichês (embora existam).

É bem verdade que é difícil comparar o impacto de sua discografia com as de Lennon e McCartney. A trágica morte de John em 1980 tornou qualquer fita mal gravada com sua voz em peça sacrossanta. Além disso, seus dois álbuns iniciais e o disco que deixou finalizado no dia em que morreu se sobrepõem aos outros três que ficaram no tempo.

Paul tornou-se onipresente na mídia e nos palcos, sabendo muito bem conservar o prestígio de sua carreira solo e manter a chama dos Beatles acesa no coração dos fãs. Ainda que a maioria de seus álbuns seja tão pouco lembrada quanto os de George, as canções estão sempre presentes.

George nunca foi muito de paparicar a mídia, não frequentava o circuito das celebridades (embora andasse sempre em companhia de figurões do cinema e da música), e tampouco fazia questão de paparicar ou fazer agrados simples a seu público (o que talvez seja o seu maior pecado). Não é a toa que, só após a sua morte, sem ter como obstáculo a presença de sua personalidade crítica e arredia, começou a haver um resgate de sua carreira e uma melhor apreciação de sua obra, a ponto de alguns, num arroubo compensatório de anos de indiferença, chegar a considerá-lo o mais genial dos Beatles.

Menos, menos… E, ainda assim, muito mais.

GH long hair

Resolvi me torturar e fazer uma coletânea de duas horas da carreira solo de George Harrison, como se estivesse gravando numa velha fita K7. O tempo foi arbitrário, para garantir coesão no tracklist. A minha lista inicial passou fácil de 3 horas. Total: 2:00:22.

01-Awaiting on you all [early take]

02-All Those Years Ago

03-Woman don’t you cry for me

04-Devil’s Radio

05-Got my mind set on you

06-When we were fab

07-Stuck inside a Cloud

08-Cloud 9

09-It’s what you value

10-Wreck of the Hesperus

11-Between the Devil and the Deep Blue Sea

12-That’s the way it goes

13-Give me love (Give me Peace on Earth)

14-World of Stone

15-Simple Shady

16-This Guitar (can’t keep from crying)

17-The day the world gets round

18-Faster

19-This Song

20-Art of dying

21-Run so far

22-Life Itself

23-Beautiful Girl

24-All things must pass

25-Run of the mill

26-P2 Vatican Blues (Last Saturday Night)

27-Looking for my life

28-I live for you [bonus track]

29-Beware of darkness

30-My Sweet Lord

31-Hear me Lord

George Harrison, parte 3 de 4: Mudanças Climáticas.

28/08/2015

O cachimbo da paz com a crítica é aceso nos dois últimos álbuns da década: Thirty Three & 1/3 (1976) e George Harrison (1979). Na segunda metade dos 70, George havia engrenado em sua relação com a mexicana Olivia Arias (futura Sra. Harrison) e se livrado do alcoolismo com a ajuda de uma hepatite. Foi durante sua recuperação da doença que ele começa as gravações de seu quinto álbum.

Thirty Three & 1/3 (1976), George Harrison.

Thirty Three & 1/3 (1976), George Harrison.

Woman don’t you cry for me é uma composição de 1969, cuja versão country-blues pode ser ouvida na trilha sonora do documentário George Harrison: Living in the Material World, que abre o álbum com uma batida mais funkeada. Beautiful girl é outra (bela) composição iniciada em 69, originalmente composta para Pattie Boyd, mas que nunca passou de umas poucas linhas. Precisou Olivia aparecer na parada para que a canção fosse finalizada. See Yourself tem origem ainda mais antiga, iniciada em 1967 sobre a confusão causada pela declaração de Paul McCartney a respeito do consumo de LSD.

O mundo espiritual volta a servir de tema em Dear One, assim como as questões legais. This Song é dedicada ao processo de plágio em My Sweet Lord, o qual George perdeu: This song has nothing tricky about it / This song ain’t black or white and as far as I know / Don’t infringe on anyone’s copyright, so

Uma das melhores faixas do disco, It’s what you value, é a primeira do artista referente a sua paixão por carros. Uma divertida homenagem ao baterista Jim Keltner, que pediu uma Mercedes como pagamento por tocar na Dark Horse Tour.

George Harrison (1979).

George Harrison (1979).

O álbum homônimo de 1979 traz uma faixa da época dos Beatles, Not Guilty, cuja versão original saiu no Anthology. Faster, minha preferida do álbum, é uma homenagem ao ano que se dedicou acompanhando o circo da Fórmula 1 ao redor do mundo, andando em companhia de Niki Lauda, Emerson e Jackie Stewart, de quem se tornou amigo. A continuação de Here comes the Sun, Here comes the Moon, é bem aquém da sua antecessora. O maior sucesso do álbum é Blow Away, cujo clipe deve ter passado até no Fantástico. Embora Paul seja visto como o mais pop dos Beatles, Harrison demonstra grande desenvoltura e habilidade ao se aventurar no gênero.

Os dois álbuns foram recebidos pela crítica como uma “volta à forma”. E aqui cabem duas observações, a primeira referente ao Living in the Material World. O segundo álbum solo de Harrison foi um sucesso comercial e de crítica, apesar da temática espiritual já encontrar alguns narizes virados. Nas resenhas de 76 e 79, os álbuns são considerados o melhor dele desde All Things Must Pass, o que me leva a considerar o Living in the Material World uma outra vítima da “temporada de caça”, como uma bala perdida. Com o tempo, a qualidade deste álbum parece ter sido esquecida ou revista pela crítica.

A segunda observação diz respeito à desconsideração do próprio Thirty Three & 1/3 já em 79, uma vez que as resenhas de 79 são quase cópias das de 76, considerando o álbum homônimo um retorno à forma da época do All Things Must Pass. Isso me lembra muito as resenhas dos álbuns dos Rolling Stones, que a cada novo álbum, desde Steel Wheels, retornam à antiga forma.

Em seguida, o início dos anos 80 representou verdadeiramente um declínio na produção do ex-Beatle. Creio que vários fatores levaram a isso. Há que se considerar, primeiramente, certo abatimento com a morte de John Lennon em dezembro de 1980. Harrison nunca foi muito afeito ao mundo das celebridades, apesar de andar sempre em boa companhia artística, mas evitando as badalações. Estava com filho pequeno, curtindo o segundo casamento, vendo as corridas, indo à praia… Por que então se submeter a certas coisas que não lhe agradava e ainda correr o risco de topar com um maníaco pela frente? Este tipo de preocupação não era totalmente estranho aos Beatles, que receberam ameaças durante uma turnê em 1966. E o próprio Harrison viria a ser vítima de um maníaco em 1999.

Em segundo lugar, a amizade de Harrison com o pessoal do Monty Python na segunda metade dos anos 70 levou-o a abrir uma produtora de cinema, a HandMade Films. A iniciativa teve como finalidade viabilizar as filmagens do filme A Vida de Brian. Nos anos 80, Harrison já não tinha a música como seu objeto de interesse principal.

Por fim, Harrison se queixava de uma estranha mudança de clima no mundo da música. De fato, era bastante improvável que artistas dos anos 60 incorporassem o espírito do pós-punk, e mergulhar nas águas do pop sintetizado poderia trazer resultados embaraçosos. Não é de se estranhar que não só George Harrison passou por dificuldades artísticas nos anos 80, mas praticamente todos aqueles que iniciaram suas carreiras antes da revolução punk e da new wave. Os trabalhos menos interessantes dos Rolling Stones são dessa década, e a banda chegou a dar uma parada para investir em projetos solos. Paul McCartney parou com as turnês e oscilou bastante na busca de encaixar sua música nos novos tempos. Muitas bandas terminaram, brigaram ou hibernaram, como acabou fazendo Harrison, até que o horizonte musical se alargasse novamente no final da década.

Somewhere in England (1981), George Harrison.

Somewhere in England (1981), George Harrison.

A produção do álbum de 1981, Somewhere in England, mostra que, apesar de ter feito as pazes com a mídia em seus dois últimos álbuns, o estrago da temporada de caça já estava feito. Quem consegue imaginar John Lennon, Paul McCartney ou Mick Jagger discutindo repertório com a gravadora? Ou vislumbrar a cena de um diretor da Columbia virando pra Paul e dizendo “essa música é muito fraca, traga-nos outra mais animada”? Pois isso aconteceu com Harrison, que teve quatro faixas pro álbum vetadas pelos executivos da Warner. Uma delas, Tears of the World, saiu como bonus track da edição em CD do Thirty Three & 1/3. Trata-se de uma boa faixa, que traz uma letra política, mas não agressiva, e uma batida agradável, melhor do que metade das faixas publicadas. A arte da capa também foi vetada, sendo substituída por outra menos inspirada. A capa vetada é a que adorna a versão atual do CD.

Pelo menos o veto das faixas serviu para que Harrison resgatasse uma canção originalmente feita para o álbum de Ringo Starr, All those years ago, e que acabou ficando de fora. Ele refez a letra para tornar a canção uma homenagem a John Lennon, convidando os Beatles remanescentes para a gravação e criando um estrondoso hit. Outra faixa incluída foi Teardrops, um pop mediano que tenta repetir a fórmula bem sucedida de Blow Away, hit do álbum anterior, sem ter um desempenho satisfatório.

Uma curiosidade do álbum são dois covers do compositor americano Hoagy Carmichael (que faleceu em dezembro de 1981), autor de mega sucessos como Stardust e Georgia on my mind: a bizarra Hong Kong Blues, tirada do filme Uma Aventura na Martinica, de 1944; e a singela Baltimore Oriole.

O momento espiritual fica por conta da bela Life Itself, que tem um interessante arranjo vocal. Aqui ele poderia ter optado pela ambiguidade amor romântico/divino, mas preferiu explicitar tudo com “They call you Christ, Vsnu, Buddha, Jehovah, Our Lord, You are, Govindam, Bismillah, Creator of All”.

Gone Troppo (1982), George Harrison.

Gone Troppo (1982), George Harrison.

O álbum seguinte, Gone Troppo, foi lançado no ano seguinte a fim de livrar-se logo das obrigações contratuais. O álbum só não foi tão massacrado quanto Dark Horse e Extra Texture. De fato, a preocupação de Harrison parecia se divertir um pouco enquanto se despedia por um tempo da indústria fonográfica.

A capa reflete bem a sonoridade solar do álbum. Embora irregular, o disco trás boas faixas como That’s the way it goes e Mystical One. A faixa-título, apesar da letra ser uma bobagem, traz um ritmo delicioso de festa na praia, algo bem inusitado em sua discografia.

Outra faixa que reflete essa vibe “deixa rolar” é o cover de I really love you, uma canção de 1961 do grupo de doo-wop The Stereos, que traz pra linha de frente os backing vocals Vicki Brown e Bobby King. Apesar de divertida, é de se estranhar a escolha dessa faixa como segundo single do álbum.

Depois disso, Harrison resolveu se dedicar aos filmes, gravando em 1986 quatro canções para a trilha sonora de Shangai Surprise, filme estrelado por Madonna e Sean Penn. O filme é horroroso a ponto de sua trilha sonora não ter sido lançada, com muitas indicações ao Troféu Framboesa. Essas músicas foram lançadas posteriormente, duas em single e duas no seu álbum de retorno em 1987.

No próximo e último capítulo, de Cloud 9 a Brainwashed.

George Harrison, parte 2 de 4: Temporada de Caça.

21/08/2015
Living in the Material World (1973), George Harrison.

Living in the Material World (1973), George Harrison.

Em 1973 George Harrison lança Living in the Material World, com grande sucesso comercial. Ao contrário do álbum anterior, All Things Must Pass, não há composições recuperadas da época dos Beatles, sendo todas contemporâneas, compostas entre 70-73. Nele, Harrison procura se diferenciar do álbum anterior nos arranjos. Na época Harrison vivia o desmoronamento de seu casamento com Pattie Boyd e estava afundado nas lides legais concernentes ao fim dos Beatles. Assim, o tema romântico só aparece em Don’t let me wait too long. O resto do álbum é divido entre a espiritualidade (às vezes em abordagem ambígua entre o amor terreno e o divino, como costuma fazer o U2) e as questões relacionadas aos Beatles.

Já nessa época começou a pipocar algum desconforto com o excesso de espiritualidade nas músicas de Harrison, particularmente na Inglaterra. Depois, isso passou a ser considerado o principal motivo para o pouco destaque dado a sua discografia. Suspeito um pouco dessa interpretação, pois os dois grandes sucessos comerciais desse início de carreira solo foram temas carregados de religiosidade: My Sweet Lord (acho que Lennon jamais aceitaria uma faixa dessas num álbum dos Beatles) e Give me Love (give me peace on Earth). Parece-me que isso incomodava mais alguns críticos do que o público. Entretanto, o mundo do rock mudou após a explosão punk. O cinismo e a crítica ferina passaram a ser cool. O curioso é que, pessoalmente, George Harrison era muito bom nestes dois itens.

Porém, muito antes dos Sex Pistols sacudirem o império britânico, em 1974, a crítica musical deu início à temporada de caça a George Harrison. Enquanto ainda gravava seu terceiro álbum solo, Harrison fechou para o final do ano uma turnê em conjunto com Ravi Shankar, a fim de promovê-lo nos EUA. Não parece ter se dado conta, contudo, da importância de ser o primeiro ex-Beatle a excursionar no país.

Desde o ano anterior, George havia mergulhado fundo no consumo de álcool e drogas, o que inspirou a canção Simply Shady. Seu casamento terminou de vez no meio do ano, quando Boyd foi viver com Eric Clapton, rendendo a música So sad e uma versão bem pessoal de Bye Bye Love. E ele mesmo estava às voltas com alguns rolos amorosos, incluindo aí as esposas de Ringo Starr e Ron Wood (com quem compôs a faixa Far East Man), comportamento que rendeu o B-side I don’t care anymore. O período também marca o desenlace das questões contratuais da Apple e o início da sua gravadora Dark Horse Records.

Dark Horse (1974), George Harrison.

Dark Horse (1974), George Harrison.

Com um ano tão atribulado, mental e fisicamente, Harrison chega a Los Angeles para finalizar o álbum com laringite, o que pode ser percebido nitidamente em algumas faixas de Dark Horse, particularmente na faixa-título. Não querendo sair em turnê sem um disco novo na praça, Harrison botou sua voz assim mesmo. O esforço teve resultado discutível, pois o álbum acabou chegando às prateleiras na segunda metade da turnê, além de detonar a voz dele pra série de shows que se iniciaria logo em seguida.

O cenário estava então preparado. O primeiro ex-Beatle a se apresentar em turnê nos EUA (John Lennon já havia tocado, mas em apresentações esparsas) estava sem voz. Pra piorar, resolveu ignorar o anseio da audiência pelo seu acervo da época dos Beatles. Apesar disso ser dito em relação a todos os ex-integrantes dos Beatles, a verdade é que Paul McCartney, quando finalmente veio à América em 1976 com os Wings, incluiu cinco canções dos Beatles no repertório, executando-as conforme o esperado. George incluiu quatro, sendo uma delas In my life, mas alterando letras e arranjos, provocando estranheza na platéia. Tanto essa frustração nostálgica quanto ao estado da voz causaram a impressão de desleixo e desrespeito com o público.

Paralelamente a isso, Harrison descuidou das relações com a imprensa, o que não é algo de se estranhar. Mas um influente crítico que não recebeu convite da produção para assistir ao show fez questão de se aproveitar do cenário descrito acima para detonar a turnê. Como é de hábito, muito críticos se limitaram a seguir a toada. Quando o álbum Dark Horse finalmente veio à luz, foi varrido junto com as críticas negativas à turnê.

Assim, as críticas duras por parte da mídia encontraram no público, que se sentia um pouco desprestigiado, um terreno fértil. Um casamento explosivo. Não que não houvesse quem tenha gostado do show ou do disco, mas este era o tom geral.

Pra piorar, Harrison ficou tão chateado com a repercussão da turnê e do álbum que quis dar uma resposta imediata aos críticos, lançando seu quarto álbum nove meses após o fim da turnê, Extra Texture (Read all about it). A pressa e um estado de espírito inadequado resultaram em um disco irregular com letras mal acabadas. Isso só deu margem para que o bombardeio continuasse, o que foi uma crueldade com ambos os álbuns.

Harrison e Lennon viveram seu “lost weekend” mais ou menos na mesma época, vivendo o trinômio sexo, drogas e rock and roll. Isso fez com que, em Dark Horse, as faixas espirituais se limitassem a praticamente duas e desaparecessem por completo em Extra Texture, sendo os álbuns mais pessoais de Harrison junto com o póstumo Brainwashed.

Essa fase também marca uma mudança gradual na sonoridade do ex-Beatle, que passa a incorporar elementos da black music setentista, que fica mais evidente no álbum seguinte, Thirty Three & 1/3. Um grande mérito de George Harrison é que ele sabia se cercar de grandes músicos e estava sempre bem acompanhado em seus álbuns. Assim, mesmo uma faixa ruim não deixa de ser um agrado aos ouvidos.

Extra Texture (Read all about it) (1975), George Harrison.

Extra Texture (Read all about it) (1975), George Harrison.

Extra Texture é comumente considerado o seu pior álbum nos anos 70. Ainda que seja (pois isso é muito subjetivo), Paul McCartney produziu discos muito mais embaraçosos nessa década. Mas, no que diz respeito à mídia, é tudo uma questão de “humor” do momento. Paul, que havia começado a carreira solo por baixo, com álbuns massacrados pelos críticos e pelos seus ex-colegas de banda, agora estava na crista na onda. Havia recuperado seu prestígio com o excelente Band on the run (seu QUINTO disco pós-Beatles) e não deixou a peteca cair. Lennon, mesmo que seus álbuns subseqüentes não alcançassem a mesma excelência dos dois iniciais, sua atitude e carisma garantiam seu prestígio junto à mídia e ao público. Harrison começou lá no topo e em meados da década enfrentava um inferno astral, como se estivesse ainda nos anos 60 precisando provar o seu valor. Tal situação certamente devia o incomodar.

Quando penso em Extra Texture, penso principalmente na delicadeza do piano e órgão que dão ao álbum um clima de “skip the light fandango”, embora a grande joia do disco ser a continuação de While my guitar gently weepsThis Guitar (can’t keep from crying), cujos versos são uma resposta às críticas recebidas: This here guitar can be quite sad / Can be high strung, sometimes gets mad / Can’t understand or deal with hate / Responds much better to love. The Answers at the end e World of Stone tocam na mesma tecla e, quando uma calhou de emendar na outra no meu player, pude me dar conta que parecem uma mesma canção em duas partes.

No próximo capítulo, os altos e baixos de Thirty Three & 1/3 a Gone Troppo, passando brevemente pelas incursões cinematográficas.

George Harrison, parte 1 de 4: O Beatle subestimado.

15/08/2015

Fiz uma imersão de quatro meses nos discos da tão pouco comentada carreira solo de George Harrison. Acabei encontrando o documentário do Martin Scorsese (sobre o qual já falei em outro post) e lendo muita coisa sobre os discos, a vida, as músicas… só faltou mesmo a autobiografia. Acabei tirando minhas próprias conclusões sobre a carreira e, principalmente, sobre a discografia, que exponho nessa pequena série de quatro capítulos. Detalhes sobre a vida e a personalidade só abordo quando necessários pra entender a música.

A proposta é fornecer a quem, assim como eu, conhecia pouco sobre Harrison, um painel geral sobre sua obra.

GH early days

Paul e John sempre foram retratados como as forças criativas dos Beatles, Ringo como “o engraçado” e George como “o quieto”. Logo após o fim da banda, fixou-se a imagem do artista represado e inibido pela competição com os colegas mais famosos de banda. Depois, virou o cara esquisito obcecado com temas espirituais cuja discografia tornou-se relevante com o tempo. Mais recentemente, particularmente após a sua morte em 2001, virou o gênio subestimado, quando não o mais talentoso dos Beatles.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Eu diria que George foi um Beatle subestimado, com uma discografia bem mais interessante do que percebido na época em que seus álbuns chegavam às prateleiras, e que tem sido alvo de um revisionismo compensatório.

Harrison se queixava de ser tratado eternamente por Paul como “o mais novo”. Eles se conheceram numa época em que a diferença de quase um ano de idade era significativa. Mas, assim como acontece em família, uma diferença considerada posteriormente irrelevante entre amigos e colegas de trabalho, cristaliza-se no trato pessoal. Aquele seu irmão três anos mais novo do que você sempre será “o mais novo”, ainda que tenham 59 e 56 anos de idade.

Acredito que esse tratamento marcou o relacionamento interno entre os Beatles, ainda mais considerando que John era dois anos e meio mais velho e a idade de Harrison foi usada para que a banda fosse expulsa de Hamburgo. Soma-se a isso o fato de que ele efetivamente não compunha, e nos primeiros quatro álbuns da banda (além dos muitos singles) só conseguiu emplacar uma única faixa de sua autoria.

GH 1961

Mas provavelmente George não se via dessa forma. Era um garoto literalmente de topete, até meio marrento. Como ele mesmo declarou, resolveu compor porque não se via inferior a Paul e John. E se eles conseguiam compor música, ele também seria capaz de fazê-lo. Como acabou sendo.

Só que George só começou a acertar a mão nas composições em 1965, após dois anos de estrondoso sucesso da dupla Lennon & McCartney, que estava a alguns anos luz à frente. Após duas ótimas composições para Rubber Soul e de emplacar três canções em Revolver, entrou de vez na vibe indiana, paralisando por cerca de um ano o seu desenvolvimento na seara pop/rock.

Após chegar à conclusão de que nunca domaria a cítara como um bom músico indiano, aceitou a sugestão do amigo Ravi Shankar de mergulhar nas suas raízes musicais. E assim chegamos ao seu ótimo trabalho no Álbum Branco e Let it be, com o pé enfiado no blues.

Mas George só conseguiu impressionar seus colegas em Abbey Road, com Here comes the Sun e Something. Pela primeira vez as músicas de Harrison, e não as de Lennon & McCartney, são os principais sucessos de um álbum do quarteto.

GH 1966

Mas a resistência não vinha só de dentro da banda; talvez a de George Martin fosse ainda mais forte. Nos livros sobre as gravações de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band fica evidente uma certa má vontade do produtor em selecionar as faixas de Harrison pros álbuns, rejeitando a boa Only a Northern Song, que seus colegas sequer chegaram a ouvir na época. A faixa só foi incorporada ao repertório da banda dois anos depois, fazendo parte da trilha sonora da animação Yellow Submarine, com arranjo um pouco bizarro.

Muitas faixas do excelente álbum de estréia solo de Harrison, All Things Must Pass, foram compostas entre 1968 e 1969 (duas delas chegam a datar de 1966!), e fica difícil entender como canções tão boas ficaram de fora enquanto algumas bobagens de Lennon e, principalmente, McCartney viram a luz do dia. Há, possivelmente, muito de autocensura ou talvez desestímulo nesse processo. Não é difícil imaginar que, àquela altura do campeonato, Harrison já estivesse com a cabeça longe dos Beatles e nem fizesse questão de compartilhar algumas composições com a banda.

Muito se fala da disputa entre Paul e John, de como Yoko Ono afastou o interesse de Lennon na banda, de como Paul quis mandar no grupo após a morte de Brian Epstein, mas pouco se fala do quanto George já estava de saco cheio de tudo aquilo e tinha de ser arrastado para o estúdio. Tanto que John chegou a sugerir Eric Clapton para substituí-lo. Se os Beatles não tivessem terminado da forma como terminaram, não seria surpresa se Harrison tivesse sido o primeiro a sair, antes mesmo que Lennon. Bem antes de John manifestar interesse em deixar a banda, Ringo (em 68, durante as gravações do Álbum Branco) e Harrison (em janeiro de 69, durante as conturbadas gravações de Let it be) chegaram a efetivamente saltar fora. Na verdade, o único que parecia satisfeito em estar na banda era Paul, justamente aquele que deu fim oficial aos Beatles.

Nos últimos dois anos de Beatles, Harrison trocou mais figurinhas com outros músicos do que Paul e John. De Bob Dylan com a The Band ao Cream de Eric Clapton, o crescimento artístico dele foi imenso, chegando a, conforme a crítica, equiparar-se aos seus companheiros mais reverenciados. Embora a expectativa maior fosse pelos primeiros trabalhos solos de Lennon e McCartney, Harrison surpreendeu com um excelente álbum triplo. Na verdade, o terceiro disco é apenas uma jam session despretensiosa com os amigos, sendo que o conta mesmo para uma análise discográfica são os dois primeiros.

All Things Must Pass (1970), George Harrison.

All Things Must Pass (1970), George Harrison.

A ironia é que o álbum foi produzido pelo amigo Phil Spector, o mesmo que havia produzido o álbum Let it be, cujo resultado final desagradou Paul McCartney e precipitou o fim da banda. Várias faixas, como Awaiting on you all, Art of dying, What is life e Let it down apresentam o característico wall of sound de Spector, e também as distorções utilizadas por Harrison em Savoy Truffle, da época dos Beatles.

As letras oscilam entre a espiritualidade, o amor e a relação conflituosa com seus ex-colegas de banda, sabidamente Wah-Wah e Run of the mill. Quatro faixas derivam diretamente de sua aproximação com Bob Dylan nos últimos dois anos. Essa amizade rendeu uma parceria (I’d have you anytime), um cover (If not for you, que Dylan havia gravado naquele mesmo ano com a participação de George) e duas composições diretamente inspirada pelo estilo de Dylan e a The Band (Apple Scruff e Behind that locked door).

O que mais impressionou os críticos nem foi tanto o domínio melódico de Harrison, já demonstrado em Abbey Road, mas a versatilidade das composições, que passeia pelo rock, country, blues, baladas e o gospel de Hear me Lord, que fecha o álbum duplo. O disco também marcou a iniciação de Harrison na slide guitar, da qual se tornou um mestre.

Muitos consideram All Things Must Pass o melhor álbum de um ex-Beatle. Com certeza é o melhor álbum solo de Harrison, muito devido ao efeito “talento represado”. Álbuns duplos consistentes como London Calling e Physical Graffiti  não são tão comuns. Mas prefiro incluí-lo num rol de quatro melhores álbuns de ex-Beatles, no qual incluo os dois primeiros solos de John Lennon (Plastic Ono Band e Imagine) e Band on the run, de Paul McCartney versão Wings.

No próximo capítulo, de Living in the Material World a Extra Texture (Read all about it).

Living in the Material World

07/06/2015
George Harrison: Living in the Material World (2011), Martin Scorsese.

George Harrison: Living in the Material World (2011), Martin Scorsese.

Simplesmente havia me passado despercebido o documentário que Martin Scorsese fez em 2011 sobre George Harrison. Acho que foi pouco divulgado por aqui, mas é possível encontrá-lo pelas redes da vida, e com legendas!

O documentário não tem mesmo muito apelo comercial. Não há uma narrativa sequer em off para encadear os relatos ou situar cronologicamente o que é mostrado, nem mesmo com legendas. Todo o texto é composto por entrevistas, músicas, filmes de época e, no máximo, a leitura de cartas e anotações de agenda. Portanto, quem não tem conhecimento prévio da vida do ex-Beatle pode ficar um pouco bastante perdido ao longo dos 208 minutos. Mas achei interessantíssima essa narrativa montada sobre as falas. Ainda que não seja muito didática, a montagem de um mosaico emocional do biografado tem impacto positivo.

Infelizmente, mais da metade dessas 3 horas e 28 minutos é dedicada justamente a fase dos Beatles, justamente a mais conhecida. Isso não é ruim nem redundante, pois é interessante rever esses relatos de um outro ângulo, mas senti falta de outros episódios da vida de Harrison que ou são mostrados en passant ou simplesmente ignorados.

Agora só me resta ir atrás da trilha sonora com as versões demos apresentadas no filme.

Top 30 – 1970/1979 (12ª parte – final)

05/04/2014

Fechando meu Top 30 dos anos 70, nada mais simbólico do que uma passada de bastão: o último álbum dos Beatles e dois álbuns solo de ex-Beatles.

Let It Be (1970), The Beatles.

Let It Be (1970), The Beatles.

Pra quem estiver estranhando a inclusão de Let It Be, cabe mesmo uma explicação. Apesar das músicas terem sido gravadas no início de 1969, em 1970 rolou uma nada irrelevante pós-produção. Basta dizer que a inclusão de orquestra e coro nas músicas de Paul McCartney por Phil Spector foi a gota d’água para o fim dos Beatles. Além disso, o solo de George Harrison na faixa-título foi gravado em janeiro de 1970.

Geralmente Abbey Road, o verdadeiro “último álbum”, é muito mais elogiado, mas sempre tive predileção por Let It Be, até mesmo comparado ao mítico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Por muito anos (até porque eu demorei a adquirir o Álbum Branco) este foi o meu favorito da chamada segunda fase da banda.

O clima despojado do álbum, com as conversas e as jams entre as músicas, e canções antológicas como Let it be, The long and winding road, Across the Universe e Get back, lado a lado com pequenas gemas como Two of Us, Dig a pony, I’ve got a feeling, One after 909, I me mine e For you blue, talvez só não atinjam a perfeição devido à mão pesada de Spector.

Portanto, não deixa de fazer parte do “pacote” a versão stripped de 2003, Let It Be… Naked. Mesmo sem as charmosas falas e as jams, mas reforçada pela poderosa Don’t let me down, as músicas dos Beatles nunca soaram tão magníficas. Creio que Paul conseguiu dar o seu recado: “eu tinha razão”.

Gravação de For you blue.

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All Things Must Pass (1970), George Harrison.

All Things Must Pass (1970), George Harrison.

All Things Must Pass foi o primeiro álbum solo de George Harrison, e considerado por muitos como o melhor solo de um ex-Beatle. Originalmente foi um vinil triplo, mas considerei na minha análise apenas o duplo, pois o 3º disco é uma jam session que funciona separadamente do restante do disco.

A força com que Harrison estreou a carreira solo (e que não manteve ao longo da carreira) não deveria surpreender. Enquanto John e Paul conseguiam despejar quase toda sua produção nos álbuns e singles dos Beatles, George tinha muito material represado, a começar pela faixa-título, que teria caído muito bem no Let It Be, mas acabou ficando de fora.

A face mais conhecida do álbum é My Sweet Lord, mas nem de longe é a que melhor o representa. E lá estão What is life e Beware of Darkness que não me deixam mentir. Até mesmo I live for you, um outtake incluído apenas 30 anos depois, é lindíssima.

O disco contou com zilhões de participações, desde Ringo Starr, Billy Preston e Eric Clapton ao pessoal do Badfinger, Bobby Keys e Phil Collins, entre (muitos) outros.

All things must pass em talk show.

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Plastic Ono Band (1970), John Lennon.

Plastic Ono Band (1970), John Lennon.

John Lennon já não queria saber muito dos Beatles e parece que passou 1969 ensaiando pra sua estreia solo. Cansado das ideias mirabolantes de Paul, juntou os amigos – Ringo, Klauss Voorman, Billy Preston, Phil Spector – e fez um disco cru, direto, rascante e sensível ao mesmo tempo. Imagine, o disco seguinte, é sensacional, mas Plastic Ono Band é um álbum que te pega de jeito, no contrapé. Isolation e God são desconcertantemente belas. Em Remember, John se antecipa a Alan Moore em quase 15 anos ao recitar “remember, remember, the Fifth of November”. Mother, apesar de um pouco gritada demais, é marcante. Working Class Hero, presença obrigatória nas coletâneas. Não há uma faixa que permita a indiferença.

O CD inclui mais duas músicas que saíram em singles, Power to the People e Do the Oz, mas que não pertencem ao original, e não costuma haver ressalva a respeito. Vale ressaltar que a primeira foge completamente ao espírito do álbum.

Se, numa realidade alternativa, um novo disco dos Beatles tivesse saído dos primeiros álbuns solos de seus integrantes, Paul só conseguiria emplacar umas duas faixas. Tudo bem que uma delas certamente seria Maybe I’m amazed, e quem compõe uma canção como esta não precisaria fazer mais nada na vida. E Paul já tinha feito “quase nada” antes e fez “pouca coisa” depois. Um luxo!

Mother ao vivo no Madison Square Garden.

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Gostaria de agradecer a AC/DC, Big Star, Black Sabbath, Bob Dylan, Carole King, Cat Stevens, David Bowie, Dire Straits, Elis Regina, Elton John, Eric Clapton, Gilberto Gil, Grand Funk Railroad, Grateful Dead, Los Jaivas, Janis Joplin, The Kinks, Leonard Cohen, Lou Reed, Milton Nascimento e o Clube da Esquina, Mutantes, Nick Drake, Novos Baianos, Patti Smith, Paul McCartney e os Wings, Paul Simon, Ramones, Raul Seixas, Roberto Carlos, Rod Stewart, Sui Generis, Television, Velvet Underground, The Who, Yes e ZZ Top por terem feito esta década discograficamente memorável e tão difícil pra montar essa lista.

Até os anos 60!