Archive for the ‘Infantil’ category

Woodstock Baby

25/11/2016

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Em novembro rolou o Meu Primeiro Festival no Passeio Público, parque histórico do Rio de Janeiro, inaugurado no século XVIII. A chuva atrapalhou um pouco o andamento do evento, que deveria ocorrer no feriadão de 15 de novembro, em três dias, mas os dois últimos tiveram de ser adiado para o fim de semana seguinte, com direito à lama no sábado. Sem lama não é festival, né?

Inteiramente dedicado às crianças, o festival organizado pela Dell’Arte (e surpreendentemente patrocinado pelo falido governo do estado, e também pela Vivo) cumpriu bem seu objetivo. Com muitas oficinas e atividades paralelas para as crianças, food trucks e barraquinhas,  instalações sanitárias dos sonhos de qualquer cidadão, e um palco central onde as famílias podiam se acomodar bem sobre lonas e tapetes estendidos na grama.

As atrações musicais eram de bom nível e o som muito bem cuidado. O maior mérito do evento, e também dos músicos participantes, é não tratar a música infantil como um produto de segunda linha. Lembro-me de um segurança no show do Bruce Springsteen no Espaço das Américas, em 2013, tirando o corpo fora pra resolver uma confusão dizendo que rock’ n’ roll  é assim mesmo. Na maioria dos shows e eventos do qual participei havia um pouco essa postura por parte da organização. A Dell’Arte, nesse ponto, tratou o público com profissionalismo acima da média.

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Farra dos Brinquedos (2016).

E no último dia de festival fomos brindados com mais uma boa revelação, que trouxemos para casa, e desde então tem rivalizado com o Zoró de Zeca Baleiro na preferência do nosso músico mirim: Farra dos Brinquedos. Sem tentar ser novidadeiro ou apelar para invencionices e bizarrices, o grupo se utiliza de elementos tradicionais, tanto musicais quanto do universo infantil, para dar uma atualizada no gênero. Assim como no disco do Zeca, a música do Farra dos Brinquedos é levada muito a sério, com uma boa produção e músicos e cantores buscando dar o seu máximo, assim como fizeram sobre o palco.

Zoró, o álbum dos trocadilhos

29/06/2016

Zoró

Zoró [Bichos Esquisitos], volume 1 (2014), Zeca Baleiro.

Com a Partimpim, Adriana Calcanhotto deu partida numa nova série de músicas para crianças. A moda passou a ser canções para adultos adaptadas para os ouvidos infantis, mas sem torná-las caixinhas de música. Os discos são muito bem produzidos, com o mesmo cuidado destinado aos álbuns para gente grande. O Pato Fu resolveu radicalizar no instrumental, tocando sucessos pop com instrumentos de brinquedo. Uma proposta um pouco diferente foi dar a clássicos infantis um formato de rock para gente grande.

Neste cenário, o álbum Zoró (Bichos esquisitos), de Zeca Baleiro, inova ao investir em repertório próprio. A ideia de um zoológico maluco de certa forma remete à Arca de Vinícius de Moraes, mas o resultado é bem diferente.

O álbum do Zeca é a maior coleção de trocadilhos infames por faixa da indústria musical. O ornitorrinco que vai ao otorrinolaringologista; a serpente que queria ser pente; a minhoca dorminhoca; a girafa rastafári; o tubarão que toca tuba. A minha preferida é o tigre de bengala que tem um bangalô em um triste trigal, que junta os trocadilhos às expressões populares, também exploradas nas composições. E lá vem o crocodilo que não chora, o elefante que não assobia, a baleia que ninguém vê mamar, a zebra que deu sorte, a coruja neném que tem um pai e uma mãe corujas.

Mas nem só de trocadilho vive o álbum. Zeca nos proporciona algumas imagens poéticas e divertidas, como o peixe-elétrico que vive no fundo do mar com geladeira e TV, tipo Bob Esponja; a pulga que deu sorte de morar em um camelo, brincando de montanha-russa o dia inteiro; a Joaninha Dark que toma banho de piche antes de sair pra balada, para disfarçar as bolinhas; o pardal solitário que acorda e dorme sobre o fio de eletricidade; o hipopótamo que, ao fim da tarde, no rio Nilo se banha nu. E ainda a hiena que ri, cantada como se fosse uma roda de maconha.

Depois que você se acostuma com a infâmia das letras, é possível começar a curtir o som, que é de ótima qualidade, desde os arranjos à execução. Zeca não trata Zoró como um disco menor da carreira, e ainda chama os amigos, como Fernanda Abreu, Tom Zé e Tetê Espíndola para participar da farra. E que farra!

Discos Infantis

24/02/2016

Quando comecei a pensar numa trilha sonora para o meu filho, logo choveram indicações daqueles discos tipo Elvis for Babies, U2 for Babies, Beatles for Babies… Mas a última coisa que eu queria era expor meu filho a uma fórmula musical pronta. Decidi partir pra coisa real, fosse uma música composta originalmente para crianças, fosse uma música que, sem alterar muito o arranjo original ou mesmo o mantendo, pudesse funcionar como música para crianças. Se meu filho vier a gostar de Beatles, que seja pelas canções como elas são de verdade.

Os Saltimbancos

Os Saltimbancos (1977), vários.

Na minha infância, tirando o disco colorido do Carrossel, com canções infantis tradicionais, e aqueles discos de historinhas (lembro particularmente de um de João e Maria), não havia muita opção. Quando começaram a aparecer disquinhos da Turma da Mônica, eu já estava mudando de fase.

Os clássicos que ficaram, e cujos discos fui buscar nas lojas, eram A Arca de Noé de Vinícius de Moraes, com vários artistas cantando (Bebel Gilberto, Moraes Moreira, Chico Buarque, Elis Regina, Ney Matogrosso e grande elenco), e Os Saltimbancos (Miúcha, Nara Leão e dois integrantes do MPB-4), cuja montagem original eu vi no Canecão. A gente tinha a fita da peça e era uma curtição!

A Arca de Noé envelheceu. Poucos são os arranjos que sobrevivem. E ainda tem temáticas nada adequadas para a era do politicamente correto, como Aula de Piano. Já Os Saltimbancos mantém seu frescor, e o meu filho adora! Sei lá por quê, ele costuma dormir na música do Jumento. O único problema do álbum é que o texto e a música estão juntos nas faixas. Então, depois da milésima audição, você não tem como pular as falas.

Aquela época foi substituída pelas músicas mais comerciais, produzidas massivamente para crianças (e, possivelmente, a massificação das coreografias). Foi a época da Xuxa, Angélica e que tais. Nos anos 90, além de alguns programas infantis na TVE/TV Cultura, que eu não assistia mas ouvia elogios, falavam muito de Bia Bedran, uma musicoterapeuta que compunha músicas para crianças. Cheguei a vê-la em ação numa escola em Niterói. Esta eu fiz questão de incluir na incipiente discoteca do meu filho.

Cantigas de Roda

Cantigas de Roda (1998), Palavra Cantada.

Surgido mais ou menos na mesma época de Bia, o duo Palavra Cantada continua fazendo sucesso. Só ouvi falar deles quando meus amigos começaram a ter seus filhos. O trabalho de Paulo Tatit e Sandra Peres é muito bem, tanto nas composições próprias quanto no resgate de canções tradicionais. Mas eles não acertam todas. Aquele vídeo do cocô, que eu assisti na casa de uma amiga, me fez lembrar do Mr Hanky, o Cocô de Natal, dos episódios de South Park… gente, o que é aquilo?!

Depois de uma leva de compositores focados no mercado infantil, com uma proposta mais autoral e pedagógica do que comercial, chegou a vez de artistas consagrados gravarem pras crianças, voltando de certa forma ao que havia no final dos anos 70.

Partimpim 1

Adriana Partimpim (2004), Adriana Calcanhotto.

O trabalho mais consistente neste sentido é o de Adriana Calcanhotto, que em 2004 assumiu a persona de Adriana Partimpim (meu filho é fissurado naquele visual de óculos grandão rosa e olhões pintados). Com três álbuns e DVD já lançados, pode-se dizer que, no geral, funciona muio bem, mas há alguns equívocos de repertório, começando por Alexandre, do 2° volume, faixa do álbum Livro de Caetano Veloso: uma faixa longo e sem graça, cujo próprio original fica à deriva dos sucessos do baiano. No primeiro volume, a canção que fala dos pentelhos da bailarina, além de outras faixas que não dão química, apesar dos esforços da cantora. Enfim, Adriana conseguiu realizar algumas façanhas no universo da música infantil. Mas mesmo mirando este público, acabou emplacando hits internacionais adultos, particularmente a versão acústica de Fico assim sem você, anteriormente um funk da dupla Claudinho & Buchecha.

A diferença de Partimpim e os demais projetos dessa época é que eles não fazem uma infantilização da música, apenas mudam um pouco o arranjo para torná-lo mais palatável às crianças, mas sem descaracterizar o original. E mesmo a interpretação não se distancia da versão adulta, sem tatibitates.

Forró para Crianças

Forró pras Crianças (2006), vários.

Dessa leva adquirimos o Forró pras Crianças, uma excelente coleção de forró light, para crianças e adultos, com participação de Chico Buarque, Maria Rita, Lenine, Alceu Valença, João Bosco, Elba Ramalho, Roberta Sá, Eduardo Dusek e grande elenco. A produção é de ótima qualidade, com arranjos bem feitos e interpretações dignas.

Já o curto e grosso álbum Pum! se propõe a ser uma coleção de músicas escatológicas, com uma pegada roqueira. Abre com um cover de O Carimbador Maluco (Plunct Plact Zum), segue com uma rumba sobre baratas levada pelo Pato Fu, e tem ainda uma competente versão de O Vira, antigo sucesso dos Secos & Molhados, mas o resultado final é muito irregular.

O Pato Fu fez um brilhante disco de covers só utilizando instrumentos de brinquedo, e ainda tiveram coragem de sair em turnê com o projeto. O álbum ao vivo já foi tema deste blog.

Por fim, um disco bastante insólito de Zeca Baleiro, que, em primeira audição, soa como uma longa sequência de trocadilhos infames. Tem o mérito de  apostar em composições próprias.

Cresci ouvindo minha mãe reclamando que na época dela não havia músicas destinadas às crianças, tendo que se contentar com as marchinhas de carnaval e as cantigas de roda. Na minha infância, o repertório não era assim tão vasto, mas havia. Hoje é possível dizer que o mercado é generoso para as crianças, e mais inteligente e apropriado do aquele sob a égide da Rainha dos Baixinhos, não sendo necessário apelar para genéricos musicais for babies.