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A Espanha no Rock (Rock Hispânico parte 7)

12/07/2015

Apesar de estar em plena ditadura franquista, o rock se tornou bastante popular na Espanha nos anos 60. Talvez tenha contribuído o fato de ser um governo já consolidado, há mais de 20 anos no poder. Apesar do conservadorismo espanhol, o rock tomou de assalto todas as mídias. Já a chegada do psicodelismo, do progressivo (em espanhol mais comumente chamado de “rock sinfônico”) e da soul music não encontrou a mesma recepção, como ocorrido no Brasil em relação aos dois primeiros gêneros. A banda mais bem sucedida da primeira metade da década de 70 foi Barrabás, que mesclava o rock a ritmos latinos, soul e funk, e que ainda se mantém em atividade.

Paseando por la Mezquita (1979), Medina Azahara.

Paseando por la Mezquita (1979), Medina Azahara.

Na segunda metade da década, a produção nacional ganha vitalidade renovada através do Rock Andaluz, que foi o encontro do rock progressivo (e posteriormente o heavy metal) com o flamenco, no qual se destacaram as bandas Imán e Triana. Da formação original do Triana saiu o duo flamenco Lole y Manuel, cujas influências progressivas podem ser sentidas em algumas gravações, a ponto do Alexandre (antigo companheiro deste blog) classificá-los como “flamenco progressivo”. No final da década surge em Córdoba o Medina Azahara, que mistura o heavy metal melódico ao flamenco, tornando-se o grupo com carreira mais sólida no gênero. Ainda em atividade e sem nenhuma interrupção, não ficaram mais de quatro anos sem lançamento no mercado, num total de 19 álbuns de estúdio e três ao vivo. Um amigo catalão, ao nos depararmos com uma coletânea não oficial da banda por um preço mega em conta numa lojinha em Blanes, pegou o disco e me disse: essa é a oportunidade de você escutar algo bem diferente do que você conhece. Apesar de não ser muito meu estilo, ele tinha toda razão.

Matrícula de Honor (1977), Tequila.

Matrícula de Honor (1977), Tequila.

Paralelamente ao Rock Andaluz, surgiu o chamado “Rock Urbano”, com influência mais marcada do hard rock, no qual a banda Leño se tornou a principal referência, tendo durado poucos anos. Coincidência ou não, essa retomada ocorre após a morte de Franco em 1976. Com o regime militar argentino em 1977, houve a migração de artistas argentinos ao país, entre eles o cantautor Moris, originário da cena roqueira portenha dos anos 60, que ajuda a consolidar a estética do rock cantado em espanhol. Nessa leva vem também Ariel Rot e Alejo Stivel, que se juntam aos espanhóis Julián Infante, Felipe Lipe e Manolo Iglesias para formarem a banda Tequila, uma banda de rock and roll “stoniano”que tem seu fim em 1982. O grupo mais longevo do Rock Urbano foi o Burning, ainda ativa, embora pouco produtiva neste século, tornando-se a mais emblemática do gênero. Em Andaluzia, a banda Veneno se distanciava do Rock Andaluz fazendo a equivalente fusão do rock com o flamenco na cena Urbana. Mas, destes, quem alcançou o maior sucesso comercial na virada dos 70 pros 80 foi o Tequila. Assim como no resto do mundo, a Espanha foi tomada de assalto pelo boom do punk e da new wave, lançando uma sombra sobre a geração anterior, até pelo contraste do sucesso comercial alcançada. Além do fim ou hiato de várias bandas, como Tequila, Leño e Triana. O próprio Medina Azahara passa por dificuldades com gravadoras até se estabilizar nos anos 90. O pop/rock nacional dos anos 80 atinge a mesma repercussão midiática dos anos 60, do underground ao mainstream. Dessa fase da música espanhola, entretanto, meu desconhecimento é total (assim como dos anos 60). O movimento musicas dessa primeira metade dos anos 80 é chamada de La Movida. La Movida não se limitava apenas à música, mas a todo um renascimento cultural da Espanha pós-Franco, incluindo o cinema, pintura, literatura e quadrinhos. O interesse político do Estado nesse renascimento acaba sendo bem aproveitada por esses artistas. Musicalmente, os que mais triunfaram fora do mercado espanhol foram a banda pop Mecano e os roqueiros dos Hombres G. A título de curiosidade, vale citar uma das principais bandas de heavy metal espanholas, ainda em atividade, surgida em 1980: o Barón Rojo (Barão Vermelho).

El mar no cesa (1986), Heroes del Silencio.

A segunda metade da década se caracterizou pela consolidação comercial do pop/rock e desmembramento em vários subgêneros, igual ao que ocorria em outros países.  Das bandas surgidas nesse período foram os Héroes del Silencio que atingiram a maior popularidade. Formada em Zaragoza, lançaram o primeiro EP em 1986, atingindo o auge nos anos 90, com o sucesso internacional. O grupo se dissolve em 1996. O núcleo da banda era formado pelo guitarrista Juan Valdivia e pelo vocalista e guitarrista Enrique Bunbury, que seguiu uma sólida e bem sucedida carreira solo. Se os Héroes faziam um pop/rock às vezes mais pesado, Bunbury solo investe no ecletismo internacional.

Palabras más, palabras menos (1995), Los Rodriguez.

Palabras más, palabras menos (1995), Los Rodriguez.

Paralelo ao sucesso dos Héroes, surge em 1990 outro grupo de pop/rock mais direto que agita o mercado espanhol na primeira metade dos anos 90: Los Rodriguez. A banda é formada por dois remanescentes do Tequila, Ariel Rot e Julián Infante, que se juntaram ao cantor e compositor argentino Andres Calamaro, amigo de Ariel e que havia migrado pra Espanha devido à crise econômica em seu país, e ao espanhol Germán Vilella na bateria. O grupo não tinha um baixista fixo. O terceiro na função, Daniel Zamora, ficou de 1993 até o final, em 1996. O primeiro álbum, Buena Suerte (1991), lançado por uma gravadora pequena que quebrou pouco depois, apesar de ter boas composições, é muito mal produzido e não chamou a atenção na Espanha, apenas na Argentina. No ano seguinte, eles decidem gravar um disco de músicas registradas diretamente dos shows, com exceção de duas faixas do álbum anterior. A boa aceitação de Disco Pirata abriu caminho para o sucesso de Sin Documentos (1993), cuja faixa-título de Calamaro tornou-se um hit na Espanha e na América hispânica. Ainda assim, o sucesso foi maior na Argentina do que na Espanha. O auge veio no disco seguinte, de 1995, Palabras más, Palabras menos, que emplacou dois sucessos da lavra de Ariel Rot, Mucho MejorMilonga del Marinero y el Capitán, e outro de Calamaro, Para no olvidar. Na sequência saem em turnê pela Espanha em conjunto com o cantor Joaquín Sabina. No ano seguinte lançam a compilação Hasta Luego, que marca o fim da banda. Impulsionado por uma turnê de despedida, é o maior sucesso de vendas de Los Rodriguez. A compilação conta com algumas faixas ao vivo, incluindo a participação de Fito Paez em Canal 69, duas demos e regravações de alguns sucessos, particularmente Mi Enfermedad, do álbum de estréia, que finalmente ganha uma versão a altura da música. Andres Calamaro, que retorna a Buenos Aires, e Ariel Rot seguem cada um sua carreira solo, bem como a amizade. Julián Infante morre de AIDS em 2000.

Mentiras Piadosas (1990), Joaquín Sabina.

Mentiras Piadosas (1990), Joaquín Sabina.

A carreira do cantor e poeta espanhol Joaquín Sabina corre em paralelo a todos esses movimentos acima pincelados. De família ligada a movimentos de esquerda durante a ditadura franquista, Sabina foge pra Paris e se depois se estabelece em Londres, só retornando após a morte de Franco. Se em Londres levava a vida cantando de bar em bar (chegando a receber gorjeta de George Harrison), ao retornar a seu país consegue dar início à carreira discográfica, oscilando entre o popular e o rock. A partir de Hotel, Dulce Hotel (1987), começa a enfileirar sucessos. Em 1997 lançou o álbum Enemigos Íntimos com Fito Paez, que acabou em sérios atritos e um afastamento de 11 anos. Em 1999 lança aquele que talvez seja o seu maior sucesso, 19 días y 500 noches. Em 2001 sofre um AVC e enfrenta problemas de depressão, o que o leva a reduzir as atividades até meados da década.

Lo mas lejos, a tu lado (2003), Fito & Fitipaldis.

Lo más lejos, a tu lado (2003), Fito & Fitipaldis.

Os anos 90 resgataram o som do Rock Andaluz e o hard rock do Rock Urbano, que foram deixados de lado pela Movida dos anos 80. Neste cenário, além do êxito de bandas como Héroes del Silencio e Los Rodriguez, surge em Bilbao o Platero y Tú, liderado por Fito Cabrales, no melhor estilo sexo, drogas e rock and roll. Antes do fim da banda em 2001, Fito inicia um projeto paralelo que mantém até hoje, o Fito & Fitipaldis, com sonoridade mais variada, que obteve grande sucesso logo em seus dois primeiros álbuns. Em seu terceiro disco, Lo más lejos a tu lado (2003), a banda atinge seu auge de popularidade (gosto particularmente de (Las nubes de tu pelo), consolidando a banda no mainstream do pop/rock hispânico. Em 2008 lançam um CD/DVD ao vivo junto com Andres Calamaro, Dos son multitud. Nos anos 2000, o duo de pop/rock alternativo Pereza, formado pela dupla Rubén e Leiva, atinge grande notoriedade entre 2001 a 2011, quando se separam. Na mesma década, numa cena mais alternativa, surge o trio Marlango, formado pela atriz e cantora Leonor Watling, o pianista Alejandro Pelayo e o trompetista americano Oscar Ybarra, que deixou a banda recentemente. O som é basicamente pop com influências de jazz. Seus primeiros quatro álbuns são compostos de canções em inglês, pois Leonor é filha de uma inglesa e possui boa fluência. Dessa fase, destaque para Automatic Imperfection (2005) e Life in the Treehouse (2010). Os dois mais recentes são de composições em espanhol, com destaque para o primeiro, Un Día Extraordinario, de 2012. Tanto Marlango quanto Pereza conheci no CD/DVD ao vivo do show de Fito Paez em Madrid, No sé si es Baires o Madrid, que já ganhou um post aqui, gravado em abril de 2008, que marca a reconciliação do compositor argentino com Joaquín Sabina.

Els millors professors europeus (2008), Manel.

Els millors professors europeus (2008), Manel.

Na cena pop/rock catalã contemporânea, pude destacar dois grupos: Manel e La Célula Durmiente. Manel é o típico produto do atual indie folk tão apreciado pelas novas gerações. Quando escuto o meu arquivão de músicas randômicas, às vezes tenho de esperar o vocalista começar a cantar para saber se é Manel ou Los Hermanos. Apesar das boas músicas, o fato do grupo só compor em catalão impede maior divulgação. O primeiro álbum, o ótimo Els millors professors europeus (2008), titulo tirado da canção Pla quinquennal, acabou incentivando uma onde de música pop em catalão. De lá pra cá, a banda lançou mais dois discos, sempre com boa vendagem e repercussão na região.

Disco Póstumo (2010), La Célula Durmiente.

Disco Póstumo (2010), La Célula Durmiente.

Falar de La Célula Durmiente é falar basicamente de Joan Colomo, que surgiu com o Zeidun, uma banda punk alternativa que remete às raízes barulhentas do grunge. Em 2004 Colomo aparece à frente do trio La Célula Durmiente, com o álbum Perverso Universo. O estilo é mais eclético e melódico que sua banda anterior, e bastante alternativo e experimental, cantando em inglês, espanhol e catalão. Entretanto, mesmo em Barcelona não é tão fácil encontrar esse material, sendo a internet o meio mais acessível. Tive a sorte de dar de cara com o Disco Póstumo, de 2010, quando Colomo já iniciara sua carreira solo com Contra todo pronóstico, em 2009. Depois lança Producto Interior Bruto em dois volumes, repleto de faixas curtíssimas (característica também do Célula Duermiente, como nos pouco mais de 2 minutos de Canción Póstuma), que recebe boas críticas. Em 2014 sai La fília i la fobia, seu trabalho mais recente. Colomo parece uma versão catalã de Beck, só que com outro background e com um canto propositalmente desleixado tipo Marcelo Amarante.