Todas as biografias que li até agora, incluindo autobiografias, possuem uma narrativa, um corte específico, uma determinada abordagem que segue do início ao fim, deixando muitas histórias de lado. A biografia que Sylvie Simmons escreveu sobre Leonard Cohen, I’m Your Man, impressiona ao deixar muito pouca coisa de fora. Fica a impressão de que tudo que era possível apurar está contido em suas páginas.
Já li duas biografias de Paul McCartney, duas de Bruce Springsteen, e em nenhum momento tive a impressão de repetição ou perda de tempo, mas de complementação. Neste caso, fica difícil imaginar no que outra leitura sobre o artista, no sentido biográfico, possa acrescentar. Como diz a crítica da Rolling Stones exposta na capa da edição brasileira da Best Seller, “ela torna qualquer outra obra sobre o músico praticamente desnecessária”. E talvez seja mesmo o caso, exceto pelo fato dela ter sido terminada em maio de 2012, quatro anos e meio antes da morte de Leonard Cohen.
Inicialmente, temi por uma leitura um tanto pesada, no que diz respeito ao texto jornalístico. Simmons vai tão fundo e tão detalhadamente nas origens familiares do biografado, e avançando cronologicamente com cuidado, que algumas vezes me peguei pensando: “pra que tanta informação?” Porém, mais pra frente, esse tijolo por tijolo formando um desenho lógico mostra o seu valor.
Ao contrário da maioria das biografias de artistas, onde a parte mais palpitante é a história antes da fama, ou antes da obra que consolidou a carreira, a trajetória de Cohen até o primeiro álbum ocorre quase que por gravidade. Do jovem apaixonado por literatura e música que se torna poeta, do poeta de 30 anos que se torna compositor, do compositor que se torna cantor, do cantor alternativo que se torna mainstream, do artista famoso que se torna monge… A personalidade um tanto desconcertante e problemática é que vai ser, ao longo de toda a sua vida, a grande atração, garantindo emoção a cada capítulo.
Claro que é delicioso acompanhar aspectos de sua carreira, ficar por dentro dos bastidores das gravações, e Simmons é bastante generosa ao enveredar também pelo caminho da crítica musical e literária, particularmente quanto aos livros de Cohen, tanto os de poesia quanto os romances, dando à obra maior completude. Mas o personagem está sempre em primeiro plano.
Como na autobiografia de Bruce Springsteen, chamou-me a atenção desde o início a ênfase na depressão de Cohen. Pensei na coincidência de ler, em sequência, a história de dois artistas que sofrem do mesmo mal. Mas há diferenças relevantes. Bruce não usava drogas e procurou tratamento, obtendo grande melhora na qualidade de vida ao tomar antidepressivos. Leonard abusava das drogas (principalmente ácido e anfetaminas), não procurou ajuda profissional (apenas espiritual) e dizia piorar com antidepressivos. Por fim, com quase 70 anos, viu-se livre de seu mal e viveu os últimos 15 anos sentindo-se leve.
A crítica do New York Times classifica o livro como “um impressionante trabalho de amor”. Nada mais apropriado. Simmons cobriu todas as idas e vindas de alguém que viveu em Montreal, New York, Los Angeles, Londres, na ilha grega de Hidra e ainda passou um tempo frequentando o sul da França para ver os filhos. Enfim, uma penca de entrevistados (muito bem identificados e indicados nas notas finais) e milhas. Ao chegar ao final da leitura, com uma nota pessoal de Simmons, o leitor, assim como a autora, lamenta ter chegado ao fim.
Quando pôs um ponte final em seu livro em 2012, Simmons certamente lamentava ter de se afastar daquele universo Coheniano. Mas, ao ler este livro após seu falecimento (apesar de tê-lo comprado logo após o lançamento), o fato de saber que este afastamento é definitivo deixa um travo de melancolia.