Archive for the ‘MPB’ category

HO-BA-LA-LÁ – À procura de João Gilberto

14/06/2017

Hobalala

Acabei de ler o mais inusitado dos livros sobre João Gilberto.

No segundo semestre de 2010, entre a vitória de Dilma nas eleições e a ocupação do Morro do Alemão pela polícia, o jornalista e escritor alemão Marc Fischer, seguidor do Novo Jornalismo de Gay Talese, veio ao Rio na tentativa de encontrar (e, se possível, entrevistar) o mais recluso dos nossos mitos musicais: João Gilberto.

Quem conhece João já sabe de antemão o final dessa empreitada. Fischer, então, transforma em livro suas desventuras e descobertas, num misto de biografia artística e autobiografia jornalística.

Autodenominando-se um Sherlock moderno, acompanhado de uma Watson carioca que lhe servia de tradutora, assistente e investigadora, Fischer vai contando os bastidores de cada entrevista, cada porta na cara e até mesmo eventuais porres. Em vez de construir uma narrativa em cima do material levantado, ele narra como obteve cada informação. Assim temos o capítulo com Menescal, o capítulo com Marcos Valle, com João Donato, Miúcha, um ex-cozinheiro do Plataforma etc., incluindo uma ida improvisada a Diamantina em busca do banheiro mágico onde a Bossa Nova teria sido inventada.

O mito (real) do banheiro da casa da irmã, o gosto pela maconha e a reclusão de João são bem conhecidos, mas o livro traz outras revelações que, ao menos a mim, surpreendem, como a relação e a filha com a bela e jovem Claudia Faissol. E principalmente, como ele encontrava a filha todos os fins de semana como um avô brincalhão. A batalha com a EMI e a razão da ausência de seus primeiros discos no mercado. A forma como ele se relaciona com o mundo (na verdade, uma pequeníssima parte dele) através do telefone.

A lentidão com que a investigação se desenrola me lembrou a primeira temporada de True Detective. Muito beco sem saída, muita porta na cara, até que a persistência e os contatos rendam frutos. Neste ínterim, o autor preenche as lacunas fazendo elucubrações românticas dignas de um “João Gilberto e a Filosofia”, com uma ingenuidade que ganha ares de literatura adolescente. No final, quando se dá conta que tinha chegado até onde podia sem atingir a meta pretendida, bate o desespero.

Entretanto, um detalhe na orelha do livro acabou por dar sentido à paixão juvenil que permeia a narrativa. Marc Fischer morreu em abril de 2011, aos 40 anos, pouco antes da publicação do livro. Fiquei curioso em saber se havia sido acidente, uma doença terminal ou algo assim. Marc se suicidou. Seu perfil no Facebook continua ativo, com uma última postagem em fevereiro. A maioria de seus posts era de música, e havia alguns sobre a viagem ao Brasil. E, claro, músicas de João Gilberto.

Perguntei-me, então, se, ao vir ao Brasil atrás de João, o jornalista já encarava aquela viagem como uma última e louca missão guiado pela paixão, talvez uma tentativa de dar sentido a sua vida. E eis que me pego fazendo as mesmas elucubrações que ele. Menescal tem razão: esse João é mesmo um perigo…

Top 20 – filmes e vídeos de música (parte 3)

28/01/2017
mais

Mais (1991), Marisa Monte.

Como praticamente todo mundo da minha geração e um pouco acima, descobri Marisa Monte com aquele show que virou disco e especial de TV. Não fui ao show, mas vi o especial (da Manchete, salvo engano). A postura no palco era o de uma cantora que não parecia saber muito bem o que fazer com as mãos, mas tinha total domínio do queria fazer com sua voz. O público parecia se dividir entre aqueles que babavam pela jovem aspirante ao estrelato e quem via naquele repertório que misturava samba enredo, jazz, rock, soul e música romântica uma artista que atirava para todos os lados e carecia de identidade. Difícil era conhecer Marisa Monte e permanecer indiferente.

Olhando hoje para trás, é praticamente unanimidade considerar o álbum Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão como o ápice da carreira da cantora, o álbum que influenciou definitivamente o futuro da MPB e até mesmo o seu renascimento como música jovem.

Entretanto, há coisas que só o coração explica. O que definiu Marisa Monte para mim, aquilo que superou o seu debut e não foi igualado por qualquer coisa que ela fez posteriormente, foi o especial pra TV (da Manchete, novamente) Mais (mesmo título do álbum da época, mas que musicalmente vai muito além do repertório do disco). O DVD foi lançado em 2004, com bastante material extra, mas o especial é de 1991.

O especial mistura entrevistas, vídeos caseiros, cenas de bastidores, shows e um pequeno show de bolso em Nova York com Arto Lindsey, revelando (ou construindo) a persona da artista para o público. O especial definiu a forma como Marisa passou a ser vista a partir de então. Creio que isso continua verdadeiro até hoje.

Até mesmo o show, mostrado de forma torturantemente econômica, é superior à turnê do Cor-de-Rosa e Carvão. Tive a oportunidade de assistir aos dois no Canecão, e posso afirmar que no no show do Mais Marisa tinha um brilho especial nos olhos e cantava com a facilidade e exuberância de quem foi possuída pelos deuses.

Em uma era pré-internet, pré-Youtube, a grande atratividade do especial era ver Marisa cantando covers que só poderiam ser vistos ali, pois não estavam em disco algum: Não quero dinheiro, Dig a pony, Você não serve pra mim, I can see clearly now, além de algumas faixas de Caetano na apresentação com Arto.

Creio que foi o primeiro trabalho da Conspiração Filmes, salvo os videoclipes feitos pra MTV, dirigido por Lula Buarque de Holanda e Arthur Fontes.

 

Zoró, o álbum dos trocadilhos

29/06/2016

Zoró

Zoró [Bichos Esquisitos], volume 1 (2014), Zeca Baleiro.

Com a Partimpim, Adriana Calcanhotto deu partida numa nova série de músicas para crianças. A moda passou a ser canções para adultos adaptadas para os ouvidos infantis, mas sem torná-las caixinhas de música. Os discos são muito bem produzidos, com o mesmo cuidado destinado aos álbuns para gente grande. O Pato Fu resolveu radicalizar no instrumental, tocando sucessos pop com instrumentos de brinquedo. Uma proposta um pouco diferente foi dar a clássicos infantis um formato de rock para gente grande.

Neste cenário, o álbum Zoró (Bichos esquisitos), de Zeca Baleiro, inova ao investir em repertório próprio. A ideia de um zoológico maluco de certa forma remete à Arca de Vinícius de Moraes, mas o resultado é bem diferente.

O álbum do Zeca é a maior coleção de trocadilhos infames por faixa da indústria musical. O ornitorrinco que vai ao otorrinolaringologista; a serpente que queria ser pente; a minhoca dorminhoca; a girafa rastafári; o tubarão que toca tuba. A minha preferida é o tigre de bengala que tem um bangalô em um triste trigal, que junta os trocadilhos às expressões populares, também exploradas nas composições. E lá vem o crocodilo que não chora, o elefante que não assobia, a baleia que ninguém vê mamar, a zebra que deu sorte, a coruja neném que tem um pai e uma mãe corujas.

Mas nem só de trocadilho vive o álbum. Zeca nos proporciona algumas imagens poéticas e divertidas, como o peixe-elétrico que vive no fundo do mar com geladeira e TV, tipo Bob Esponja; a pulga que deu sorte de morar em um camelo, brincando de montanha-russa o dia inteiro; a Joaninha Dark que toma banho de piche antes de sair pra balada, para disfarçar as bolinhas; o pardal solitário que acorda e dorme sobre o fio de eletricidade; o hipopótamo que, ao fim da tarde, no rio Nilo se banha nu. E ainda a hiena que ri, cantada como se fosse uma roda de maconha.

Depois que você se acostuma com a infâmia das letras, é possível começar a curtir o som, que é de ótima qualidade, desde os arranjos à execução. Zeca não trata Zoró como um disco menor da carreira, e ainda chama os amigos, como Fernanda Abreu, Tom Zé e Tetê Espíndola para participar da farra. E que farra!

Top 20 – Álbuns ao Vivo (parte 10)

10/01/2016

Alguns álbuns ao vivo se destacam por registrar todo o esplendor criativo de um artista ou banda em um determinado momento carreira ou por sintetizar em um único momento toda a sua até então. Álbuns como Paris, Alchemy, Wings Over America e It’s too late to stop now certamente se encaixam em suas respectivas discografias dessa forma.

Em sentido oposto, alguns shows se destacam justamente por conter o registro de um momento singular de toda uma carreira. Alguns álbuns da série MTV Unplugged funcionam assim. Mas há outros exemplos de excepcionalidade, como o show de Chico Buarque e Maria Bethania no Canecão ou o encontro de Jimmy Page com os Black Crowes no The Greek.

Na sequência dos meus 20 álbuns ao vivo preferidos, listo um exemplo de cada um, onde os artistas conseguem, seja pela excepcionalidade, seja pela síntese artística, atingir resultados verdadeiramente brilhantes.

*****

Circuladô ao Vivo

Circuladô Vivo (1992), Caetano Veloso.

Curiosamente, o primeiro álbum solo ao vivo de Caetano Veloso surgiu após 20 anos de carreira, e foi em formato acústico, só voz e violão, chamado Totalmente Demais, gravado no Golden Room do Copacabana Palace. Até então, ao longo dos anos 70, só shows com outros artistas: Gil, Chico, Bethania, os Doces Bárbaros. Lembro-me de um show no Circo Voador, em meados dos anos 80, com formato também acústico, mas com banda completa, que desfiava um repertório muito semelhante ao dó álbum Caetano Veloso (1986), igualmente acústico, feito para o mercado norte-americano, que já renderia um excelente disco (ou fita VHS) ao vivo.

Mais foi apenas em 1992 que Caetano botou na rua um disco ao vivo que registrava todo o seu esplendor sobre o palco: Circuladô Vivo. Desde então, Caetano passou a lançar um disco ao vivo para cada álbum lançado, com exceção do A Foreign Sound.

Depois de passar os anos 80 com uma sequência de discos meia-bomba, foi com Circuladô que Caetano ressurgiu como um artista de álbuns, e não apenas compositor de grandes hits radiofônicos perdidos em meio a faixas inexpressivas, embora o álbum anterior, Estrangeiro, já apresentasse um processo de recuperação nesse sentido.

A turnê do Circuladô foi muito mais do que um show, ela marcou os 50 anos do artista, que rendeu um belíssimo especial na finada Rede Manchete, com cinco capítulos que foram ao ar de segunda a sexta, entremeando músicas de uma apresentação no Imperator com entrevistas, filmes antigos e cenas em família. Também havia música nas entrevistas, com versões emocionais de Cabelos Brancos, samba de Herivelto Martins, e Curvas da Estrada de Santos, de Roberto Carlos.

No material registrado em CD duplo está o que há de melhor em Caetano. Mano a Mano de Carlos Gardel, acompanhado apenas do violoncelo de Jaques Morelembaum, representa todos os tangos e boleros constantes de sua discografia desde Cambalache, em 1969.

O resgate de sambas antigos, outra constante na carreira, com Quando eu penso na Bahia, de Ary Barroso, e Disseram que eu voltei americanizada, feito para Carmen Miranda.

Homenagem à Bossa Nova em Chega de Saudade e ao frevo, com os seus Chuva, suor e cerveja e A Filha da Chiquita Bacana.

Lá está também a reinvenção de canções da MPB, elevando-as a novo patamar, dessa vez com Oceano, de Djavan, uma música que sempre considerei chatinha e clichê, mas que na interpretação de Caetano ganha contornos épicos.

Lá está também os covers dos ídolos estrangeiros como Bob Dylan, numa versão de Jokerman superior ao original (bem, quando se trata de cover de Bob Dylan, isso costuma mesmo acontecer), e Michael Jackson, já abrasileirado anteriormente em Billy Jean (no tal disco de 86 e também no já citado show no Circo), dessa vez com Black or White, que serve de introdução a Americanos. Sim, o show também tem aquelas composições novas inéditas e experimentais que nem sempre funcionam muito bem, mas nada tão constrangedor quanto As Camélias do Quilombo do Leblon, apresentada na recente turnê voz e violão junto com Gilberto Gil.

Alguns clássicos que antes não me encantavam (devido possivelmente aos insossos arranjos típicos dos anos 80) ganharam versões brilhantes, delicadas e repleta de nuances, como Queixa e Você é Linda, além de eternos clássicos do top de Índios e Sampa. A batida Leãozinho é renovada com um acompanhamento solo do baixo de Dadi, para quem a canção foi composta.

Das faixas do disco que deu origem à turnê presentes no show, só sobreviveram ao disco Circuladô de fulô, Itapuã e A Terceira Margem do Rio, menos da metade das apresentadas ao vivo.

E, claro, tem também o momento confessional, de conversa com o público, histórias emotivas e, para alguns, surpreendentes. No caso, a história por trás de Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, que Roberto Carlos compôs sobre o exílio de Caetano em Londres.

A excelência do show não se limita apenas ao repertório, mas principalmente aos arranjos de Morelembaum. A sonoridade retrata toda a complexidade de Caetano, com guitarras roqueiras, batuques, distorções, cordas e o velho banquinho e violão. Tudo na medida certa. Talvez só tenha ficado de fora a fase londrina, que, de alguma forma, fez-se representar pela canção do Rei.

Queixa ao vivo.

*****

Live in Dublin

Live in Dublin (2006), Bruce Springsteen with The Sessions Band.

Em 2006, Bruce Springsteen decidiu gravar um álbum baseado no repertório de músicas tradicionais resgatadas por Pete Seeger. Entretanto, nas mãos de Bruce, as canções folk ganharam uma roupagem mais adequada ao seu habitual wall of sound, e banjos, acordeões, tubas e violinos mesclaram-se à guitarra elétrica. Tanto melhor! Disco-tributo costuma pecar por excesso de respeito ao material original. Se We Shall Overcome: The Seeger Sessions (2006) fosse um disco de folk tradicional como gravado por Seeger, provavelmente seria teria se tornado uma nota de rodapé na carreira de Bruce.

Com o pé na estrada com sua The Sessions Band Tour, aquelas versões foram turbinadas pela mitológica energia de Bruce ao vivo. Quando chegou a Dublin no final da terceira leg da turnê, a Sessions Band havia se tornado um todo compacto, uma máquina musical e coreográfica perfeita. Nada menos do que 18 músicos sobre o palco, com intensa movimentação, numa aparentemente descontraída confusão, sem ninguém se atropelar, sem nenhuma trombada. E com cada músico tendo pelo menos um momento de brilho sob os holofotes ao longo do espetáculo. Uma grande festa!

We Shall Overcome é o primeiro e único (até o momento) álbum de Bruce com músicas que não são de sua lavra. Compositor prolífico, nunca houve muito espaço para covers em seus álbuns, apenas nos shows. Então é no mínimo inusitado um show do The Boss em que metade (ou mais) das músicas apresentadas não sejam dele. Mas se por um lado Bruce aproximou musicas tradicionais ao seu estilo, por outro, fez o caminho inverso com suas composições próprias, adaptando-as à sonoridade do álbum e, consequentemente, da Sessions Band Tour. Assim, enquanto canções como Long time comin’ precisaram de poucas mexidas, If I should fall behind vira uma valsa, Further up (up the road) fica a um passo do gospel, Open all night se transforma numa apoteótica big band dos anos 20 e Growin’ up só é reconhecível pela letra.

Além da excepcionalidade do show em si em relação à carreira de Bruce (a turnê foi muito mais aceita na Europa, onde foi um estrondoso sucesso, do que nos EUA, com casas à meia-bomba), o CD do show não deixa de ser uma excepcionalidade em relação à própria turnê, deixando de fora algumas canções regulares dos shows e eternizando outras que não eram tão tocadas.

Live in Dublin já pertence a uma etapa da indústria fonográfica em que os DVDs são o carro-chefe e os CDs uma espécie de by-product. De fato, até pela magistral apresentação cênica da Sessions Band, o DVD é o produto principal, mas, musicalmente, o CD não deixa nada a dever. Por sorte, o repertório é o mesmo, incluindo os extras.

Uma repaginada Blinded by the light e a arrebatadora O Mary don’t you weep no The Point Theatre, Dublin, em novembro de 2006.

Top 20 – Álbuns ao Vivo (parte 6)

21/10/2015

Dois acústicos produzidos pela MTV Brasil foram responsáveis por resgatar um artista e uma banda nacional para o meu CD player. Mas não só por isso eles fazem parte deste Top 20. Em comum, como ocorre em muitos acústicos, os shows são mais do que uma coleção de sucesso desplugada, são setlists pensados e trabalhados para comporem um todo orgânico e um momento musical único.

Gilberto Gil Unplugged (1994).

Gilberto Gil Unplugged (1994).

Gilberto Gil nunca esteve entre os meus favoritos dos monstros sagrados de nossa MPB. Muito pelo contrário. Apesar de conhecer (e até gostar) de várias músicas, nunca me interessei em conhecer a sua obra além daquilo que me chegava simplesmente por estar vivo e morar no Brasil (a boa e velha osmose). O resultado é que até meados dos anos 90 nunca tinha sequer escutado um disco inteiro do baiano. Gilberto Gil Unplugged venceu essa resistência (por que “unplugged” e não “acústico”, e por que a edição americana é “acoustic” e não “unplugged”, não me pergunte).

Jamais vi o vídeo. Decidi ouvir o álbum após reiterados elogios de amigos cujo gosto eu considerava bastante. Não me arrependi. Gil conseguiu tecer um setlist inspirado e relevante, dando a cada faixa um excelente arranjo (magistralmente executados pelos ótimos instrumentistas que participaram do projeto) e interpretações vibrantes, emocionais e certeiras.

Graças ao acústico, hoje tenho algumas pérolas dele em minha discoteca (não muitas, pois Gil continua não sendo um dos meus favoritos). Aprendi que Gil, quando quer, sabe ser genial.

Expresso 2222 acústico.

*****

Acústico MTV (1999), Paralamas do Sucesso.

Acústico MTV (1999), Paralamas do Sucesso.

No final dos anos 80, estava tão fissurado no pós-punk britânico, mergulhado em Echo & the Bunnymen, U2, The Jesus & Mary Chain, que saí completamente de sintonia com a onda caribenha dos Paralamas do Sucesso. Assim, desde Selvagem e o show em Montreux, só ouvia aquilo que era impossível deixar de ouvir. Nos anos 90, a coisa só piorou, ainda que tivesse assistido ao show deles com os Titãs no Hollywood Rock (mas confesso que fui mais pelos Titãs do que por eles).

No final da década, assisti por acaso ao making of do acústico deles gravado no Parque Lage, que foi ao ar como forma de divulgação do show ainda inédito. Gostei das entrevistas, do clima, da proposta. Assim, quando o show foi transmitido, lá estava eu em frente à TV (coisa rara!).

Acompanhados por Dado Villa-Lobos, João Fera e um naipe de metais, eles desfilam um setlist pouco óbvio, versões inéditas e covers bem sacados. Muitas faixas eu ainda não conhecia ou havia escutado tão pouco que era como se estivesse escutando pela primeira vez de novo. Tudo era de tão bom gosto – o uniforme vermelho, o lugar, o calor da plateia empoleirada sobre o piscinão de Macunaíma, os arranjos – que eu fiquei querendo saber de onde tinha vindo tudo aquilo.

Com o CD em mãos, pude fazer minha pesquisa musical e, dessa forma, descobrir os Paralamas dos anos 90 que eu já ia deixando passar. Resultado é que os discos dessa década não só é minha fase preferida da banda como considero a melhor coisa produzida pelo entre as bandas do BRock oitentista.

Infelizmente o acidente de Herbert Vianna aconteceu pouco depois, quando estava no auge de seu amadurecimento como compositor e intérprete. Resquícios disso ainda podem ser vistos (e ouvidos) no álbum Longo Caminho, gravado depois mas com muitas composições anteriores à queda do ultraleve.

Fui eu acústico.

Top 20 – Álbuns ao Vivo (parte 4)

02/10/2015
Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim, Época de Ouro ao vivo no Teatro João Caetano (1968-1977).

Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim, Época de Ouro ao vivo no Teatro João Caetano (1968-1977).

Quando éramos criança, eu e minha irmã achávamos engraçada e horrorosa aquela voz empostada da Elizeth Cardoso, que meu pai amava. Sempre que ele botava um disco dela pra ouvir (o que ocorria com frequência), nós logo corríamos pra implicar: “que coisa horrível, coloca Chico Buarque” ou algo do gênero. Mas no meio daquela zoeira toda, havia uma canção com a qual simpatizava, chamada Barracão.

Anos depois, não sei se estava no 2° grau ou já na faculdade, senti vontade de relembrar aquela musiquinha. Então fui direto à fonte, um vinil editado pelo Museu da Imagem e do Som, lançado inicialmente em dois volumes devido ao esforço pessoal de Hermínio Bello de Carvalho. Alguns anos depois, ainda nos anos 70, conseguiu publicar o terceiro volume, algo parecido com um “disco de sobras”.

O álbum em questão registrava o antológico show que reuniu Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim e o conjunto Época de Ouro no palco do Teatro João Caetano. O espetáculo foi produzido e idealizado por Hermínio, que conta na contracapa como correu pelas ruas do Rio, embaixo de chuva, colando cartazes. O concerto ocorrido em 19 de fevereiro de 1968, ao qual meus pais só não foram porque estavam em Minas visitando minha tia, foi uma ousadia para época, pois reunia o tradicionalista Jacob e o “americanizado” Zimbo Trio.

Nos anos 90, os três vinis ganharam sua primeira versão em CD, mas não no Brasil. Esse show histórico foi lançado primeiro no Japão e só 10 anos depois, já neste século, em terras tupiniquins pela Biscoito Fino, em CD duplo, que ainda tinha mais “sobras” inéditas a revelar.

No CD é possível finalmente ter noção de toda a estrutura do concerto. O show começa com uma exibição instrumental do Zimbo Trio, com Elizeth entrando a partir da terceira faixa, Cidade Vazia. Lá pelas tantas, todos se retiram e é a vez de Jacob do Bandolim, acompanhado do Época de Ouro, fazer seu solo com Murmurando e Noites Cariocas. Então Jacob reintroduz Elizeth ao palco, numa sequência com muitas histórias, risadas, pura música e desconcentração. Entre elas a tal Barracão. O solo de Jacob nesta faixa (ele que não me ouça) está a um passo do rock and roll!

Na reta final, todos sobem ao palco, tanto a modernidade quanto a tradição, e Jacob e Zimbo Trio realizam um magistral duelo instrumental em Chega de Saudade, que faz a casa vir abaixo e pedir bis, no que é atendida de imediato.

Particularmente, meus momentos preferidos são com Elizeth e Jacob no palco, em Mulata Assanhada, Barracão, Feitiço da Vila, Chão de Estrelas, e a sequência gaiata do velho terceiro volume com Inocência, Foi numa festa e Jamais.

E aquilo que eu, como criança, desprezava transformou-se para mim no melhor disco de música brasileira de todos os tempos.

Mas isso lá era hora de viajar, papai?

Aqui a 2ª parte do show, com Barracão (entre 7:37 e 14:50), com Chão de Estrelas logo na sequência,  e Chega de Saudade (entre 36:50 e 44:30).

Fagner & Zé Ramalho

28/06/2015
Fagner & Zé Ramalho ao Vivo (2014).

Fagner & Zé Ramalho ao Vivo (2014).

Durante as gravações, Fagner se empolgou e começou a tocar Borbulhas de Amor, Zé Ramalho largou o violão e deixou o palco. Fico imaginando como não deve ter sido fazer esse projeto reunindo o bardo cearense de pavio curto com o temperamental menestrel da Paraíba.

No resultado final, as vozes se complementam que é uma beleza, particularmente nas músicas menos badaladas, como Dois Querer, Asa Partida, Pelo vinho e pelo pão e até a escancaradamente ecológica Canção da Floresta.

Em faixas “arrasadoras” como Noturno e o medley Jura Secreta/Revelação, Fagner erra ao agir como se estivesse em seu próprio show, deixando o karaokê tomar conta. Isso diminui o momento especial de unir esse dois artistas especialíssimos, que, em tese, deveria ser apreciar o que a dupla tem a oferecer em cada releitura. Resultado: na saideira com o grande sucesso de Zé Ramalho, Admirável Gado Novo, o compositor decide mostrar que também é bom de karaokê.

Em Mucuripe (e em Noturno, antes de começar o karaokê), Fagner canta com uma nostalgia conformada, enquanto é Zé Ramalho quem canta a canção do cearense com a urgência nervosa do original.

No geral, o álbum (não assisti ao DVD) é uma delícia, mas fiquei com a impressão de que a química entre os dois amigos e vizinhos foi tão complicada quanto as minhas provas de Inorgânica na escola.

Em tempo: parece que Fagner atacou de Borbulhas, que não havia sido ensaiada, após Zé ter mandado Avohai, que também estava fora do script. Ambas ficaram de fora do CD/DVD.

Chão de Giz ao vivo no Theatro Net Rio.

A Procura por Sumé

18/02/2015
Paêbirú (1975), Zé Ramalho & Lula Côrtes.

Paêbirú (1975), Zé Ramalho & Lula Côrtes.

Fazendo uma pequena parada no meu Top 20 dos anos 60, chegou a hora de comentar essa pérola dos anos 70. Paêbirú, o Caminho da Montanha do Sol, é um disco louco que vale a pena ouvir. Sim, pois tem uns, como Araçá Azul de Caetano Veloso, que são apenas loucamente chatos.

A história por trás do álbum está maravilhosamente bem contada aqui, na reportagem da Rolling Stones. Leitura recomendada.

Zé Ramalho, antes de deslanchar carreira solo, e Lula Côrtes, encantados com o sítio arqueológico na Serra da Copaoba, próxima de Recife, e com o mito civilizador de Sumé (que aproveitamos no RPG O Desafio dos Bandeirantes), tiveram uma epifania artística e embarcaram na elaboração de um vinil duplo, onde cada lado era dedicado a um elemento: Terra, Ar, Fogo e Água. Esta divisão não se trata de mero enfeite. Cada lado tem uma personalidade musical distinta, conforme cada elemento.

O resultado desse surto criativo foi uma mistura de folk, rock progressivo, música indígena, canto afro e outros sons do nordeste. Tudo de excelente qualidade. A produção independente e uma enchente que destruiu quase toda a tiragem fizeram com que o disco original seja o vinil brasileiro mais caro do mercado, superando o misterioso Louco por Você, álbum renegado de estreia de Roberto Carlos.

O belo encarte realça a participação dos músicos, destacando-se a presença dos hoje famosos Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Se hoje o tenho em mãos, é graças à iniciativa do selo norte-americano Mr. Bongo.

Você pode escutar aqui todo o lado Terra.

Saravah

26/08/2013
Saravah (1969), de Pierre Barouh.

Saravah (1969), de Pierre Barouh.

Estava fazendo um lanche na Livraria da Travessa quando vi ao longe, na TV, as imagens de um Paulinho da Viola bem moço falando sobre escola de samba numa mesa de bar (sabia disso por causa da legenda). Sentada ao lado dele, percebo uma Maria Bethânia com 22 aninhos, plena de energia e brilho nos olhos.

E foi assim que eu fiquei sabendo da existência do documentário Saravah, realizado em 1969 pelo francês Pierre Barouh. Como filme, na verdade, é bem amador, como alguém gravando com sua câmera de vídeo uma reunião de amigos. As tentativas de uma abordagem mais, digamos, antropológica (escola de samba, macumba, candomblé), sofríveis. Mesmo assim, o filme é uma pérola!

Ver Paulinho da Viola e Maria Bethânia, casualmente na mesa de um bar, tocando violão e cantando, bebendo cerveja; Pixinguinha relembrando sua passagem por Paris em 1921; João da Baiana arriscando seu coração numa sambadinha; Baden Powell, na varanda de uma casa de subúrbio, acompanhando Pixinguinha, no sax, em Lamento, e depois ensaiando com Márcia, entre uma bafora e outra de um ansioso cigarro; Maria Bethânia ensaiando músicas de Caetano com Luiz Carlos Vinhas ao piano e Raul no trombone, emocionada cantando Baby e falando do irmão exilado… é emoção garantida.

Impressiona também a qualidade da imagem, bem definida, registrando nostalgicamente aquelas roupas coloridas e um subúrbio com casas, varandas, quintais e muito verde, com aquela cor dessaturada de álbuns de família, ou, ao menos, os da minha nos anos 70. Quando vi, logo no início, Baden tocando numa mureta de varanda com o gramado se estendendo atrás, identifiquei uma nova cor: o verde-infância.

O preço, entretanto, é um pouco salgado, mas é possível encontrar o filme (cerca de 1 hora) com os extras (meia-hora) no youtube.

Top 30 – 1970/1979 (8ª parte)

24/07/2013
Transa (1972), Caetano Veloso.

Transa (1972), Caetano Veloso.

A carreira de Caetano Veloso é multifacetada, mas acho que dá pra dizer que Transa é o meu álbum preferido dele. Até a presente fase junto à Banda Cê, era o mais rock’n’roll dele. E não só. A banda formada por Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa traz uma sonoridade envolvente e diferente (no Brasil) para a época. Caetano diz que Nine out of ten traz o primeiro som de reggae da MPB. O samba de Monsueto Menezes, Mora na Filosofia, é transformado numa espécie de jazz-rock. Triste Bahia (sobre poema de Gregório de Matos) e  It’s a long way são canções épicas que misturam o regionalismo à estrutura progressiva/psicodélica tão em voga. quantas pessoas não se identificam ao cantar “woke up this morning singing an old Beatles song”? A linda You don’t know me faz hoje a ponte daqueles dias de exílio com os shows do álbum e seus sucessores. No final, a bela balada Nostalgia (That’s what Rock’n Roll is all about) resume com muita simplicidade o astral do disco. Só mesmo Neolithic Man coloco num nível mais abaixo. Encaixaria melhor, talvez, no experimentalismo do disco anterior.

You don’t know me ao vivo em show recente.

*****

Construção (1971), Chico Buarque.

Construção (1971), Chico Buarque.

Pela discografia e livros escritos nos últimos 30 anos, é difícil entender porque Chico Buarque se tornou uma celebridade além do bem e do mal, cujas declarações quase nunca são contestadas. Mas ouvindo tudo o que gravou nos anos 60 e 70, percebe-se o que está além dos olhos verdes que tanto fazem as mulheres suspirarem. E a tal fama se mostra mais do que merecida.

Voltando de seu autoexílio na Itália, com um pouco mais de ginga na voz, Chico gravou seu 5º e melhor disco da carreira. Mais tarde, ainda na década de 70, lançou grandes álbuns como Meus Caros Amigos e o “disco da samambaia”. Antes, nos anos 60, gravou verdadeiras pérolas da MPB. Mas é em Construção que atinge o ápice de sua poesia, tanto relacionada ao universo feminino quanto à crítica social e política. O malabarismo necessário para driblar a censura só fez crescer sua habilidade como compositor. Tudo isso embalado em arranjos arrojados e marcantes de Rogério Duprat, o maestro do tropicalismo.

A faixa-título, fruto do desafio de compor uma canção com rimas em proparoxítonas, já valeria toda uma carreira. Mas o álbum ainda reserva ao ouvinte canções como Cotidiano, Valsinha, Samba de Orly, Deus lhe pague

Desalento ao vivo.