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A Era de Ouro do Rock Argentino (Rock Hispânico parte 3)

01/06/2015
Clics Modernos (1983), Charly Garcia.

Clics Modernos (1983), Charly Garcia.

Coincidência ou não, o fim da Guerra das Malvinas marcou o início da Era de Ouro do rock argentino. Considerando o início do BRock, a data parece mais relacionada ao movimento musical internacional, com o New Wave e o pós-punk, do que ao fim do regime militar argentino já em 1983. O mais inusitado é que o primeiro protagonista desses novos tempos tenha sido justamente o último ídolo surgido nos velhos tempos: Charly Garcia.

Ao longo dos anos 80, Charly emplacou quatro álbuns de grande impacto. Em 1982 lançou Yendo de la cama al living, emplacando a faixa-título, com participação de Nito Mestre (ex-parceiro do Sui Generis), e Yo no quiero volverme tan loco, com participação de León Gieco. O álbum também conta com participações de Pedro Aznar (ex-companheiro do Serú Girán) e Spinetta.

Com embalagem eletrônica típica dos 80, Clics Modernos não tem nenhuma grande canção de destaque, mas funciona bem no conjunto, sendo considerado um dos melhores do pop/rock argentino. Particularmente, prefiro o álbum seguinte, Piano Bar (1984), que apresenta o hit Demoliendo Hoteles, no qual lida com sua própria fama (justificada) de artista temperamental. O álbum conta com a participação de Alfredo Toth (ex-Los Gatos) e um jovem Fito Paez.

Depois de uma tentativa frustrada de álbum conjunto com Spinetta (que acabou o fazendo com Fito Paez) e outro, concretizado, com Pedro Aznar, Charly lança Parte de la religión somente em 1987, considerado por parte da crítica como seu melhor álbum. Ele toca quase tudo no disco, fora algumas participações especiais, com David Lebón (ex-Serú Girán) tocando guitarra em duas faixas, Paula Toller e Os Paralamas do Sucesso. Ou seja, já em 87 Herbert e Cia flertavam com os roqueiros hermanos.

Nesses anos, Charly tinha uma banda para acompanhá-lo nos shows, da qual se destacam o baixista Cachorro Lopez, um jovem Andres Calamaro nos teclados e, fazendo backing vocal, Fabiana Cantilo, então esposa de Fito Paez.

Parte de la religión eu deixei escapar na minha coleção, mas tenho os dois álbuns seguintes, Cómo conseguir chicas, de 1989, e Filosofía barata y zapatos de goma, de 1990.

Cómo conseguir chicas (1989), Charly Garcia.

Cómo conseguir chicas (1989), Charly Garcia.

Cómo conseguir chicas é uma espécie de álbum de sobras desde a época do Sui Generis, que conta com a participação de Herbert Vianna, L. Shankar, Fabiana Cantilo e Claudio Gabis (ex-Manal). Herbert participa da faixa Zocacola, uma homenagem à esposa brasileira de Charly, que o deixa pouco depois.

Filosofía barata y zapatos de goma foi o álbum da ressaca da separação, no qual Charly contou com o apoio dos amigos Andres Calamaro, Nito Mestre, Fabiana Cantilo, Gustavo Cerati (do Soda Stereo) e Pedro Aznar.

Contudo, ambos os álbuns mostram uma fadiga de material. Como comecei a ouvir sua carreira solo justamente por estes discos, cheguei a pensar que sua fama como solista era exagerada, até encontrar num sebo uma edição empoeirada de seu MTV Unplugged de 1995, que serve muito bem como álbum introdutório de sua obra.

De fato, os anos 90 não foram muito bons para Charly, que enfrentou problemas de saúde e se escorou em parcerias com Pedro Aznar e Mercedes Sosa. O disco mais conceituado do período é Say no more (1996).

Los Abuelos de la Nada (1982).

Los Abuelos de la Nada (1982).

Outro artista influente no início do rock/pop dos 80 também é das antigas. Miguel Abuelo retorna dos EUA e reconstrói a sua banda Los Abuelos de la Nada. A banda participou do impulso inicial do rock nacional nos anos 60, mas se dispersou após o primeiro single. Na época, contava com Claudio Gabis, que viria a ser guitarrista do Manal, e Pappo, que viria a integrar Los Gatos e Pappo’s Blues.

A nova formação contou com Cachorro López, Daniel Melingo (cantor de tango e saxofonista que havia tocado com Milton Nascimento), Gustavo Bazterrica (ex-guitarrista de La Máquina de Hacer Pájaros), o baterista Polo Corbella e Andres Calamaro. Calamaro, em início de carreira, também fazia parte da banda de apoio de Charly Garcia, que era o produtor musical do grupo.  Bazterrica e Calamaro dividiam os vocais e as composições da banda com Abuelo.

O som da banda tem bastante suingue, com muita percussão e guitarra funkeada. A música de trabalho do primeiro álbum homônimo bomba nas rádios argentinas, No te enamores nunca de aquel marinero Bengalí. Do mesmo álbum sai a primeira composição de sucesso de Andres Calamaro, Sin Gamulán.

Ao longo da curta carreira, Los Abuelos de la Nada emplacam mais dois grandes hits, Mil Horas e Costumbres Argentinas, ambas de Calamaro. No início de 85, Bazterrica sai, e no final do ano foi a vez de Calamaro e Cachorro Lopez. A banda continuou completamente modificada até a morte de Miguel Abuelo de AIDS em 1988.

Nadie sale vivo de aqui (1989), Andres Calamaro.

Nadie sale vivo de aqui (1989), Andres Calamaro.

Os primeiros álbuns solos de Andres Calamaro apresentam um pop/rock comercial bem medíocre, não dando ao artista o mesmo reconhecimento que a sua passagem por Los Abuelos de la Nada. Mais relevante no período foi seu trabalho como produtor das bandas Enanitos Verdes e Los Fabulosos Cadillacs.

Em 1989, junto com o amigo Ariel Rot, guitarrista argentino radicado na Espanha, gravou seu primeiro grande álbum solo, Nadie sale vivo de aqui, um sucesso de crítica. A começar pela faixa-título, de um minuto e meio, o disco é uma série de faixas curtas, cuja maior duração não chega a 4 minutos. Mas devido à grave crise econômica pela qual passava o país, o reconhecimento do meio musical não correspondeu a um sucesso comercial. Desapontado, Calamaro segue com o amigo Ariel para tentar a vida na Espanha. Lá, os dois montam a banda Los Rodriguez, que revolucionam a cena rock espanhola e se transformam em banda-referência do rock hispânico. Mas sobre essa fase eu entro em mais detalhes quando falar sobre a Espanha.

Alta Suciedad (1997), Andres Calamaro.

Alta Suciedad (1997), Andres Calamaro.

Após o fim de Los Rodriguez, Calamaro retorna a Buenos Aires e retoma a sua careira solo. Sua reestreia é em grande estilo. Alta Suciedad (1997) não só é seu melhor trabalho como um dos melhores álbuns do pop/rock argentino, e integrou meu Top 20 dos anos 90. Desfilando uma série de sucessos, como a polêmica Loco, Flaca, Media Verónica e Crímenes Perfectos, o álbum flerta com gêneros mais populares em Donde manda marinero e El novio del olvido, com o blues em El tercio de los sueños, e brinca com a mitologia roqueira em Elvis está vivo.

Entretanto, o sucesso na carreira coincidiu com uma crise pessoal: sua esposa o trocou pelo velho amigo Charly Garcia. Se o troca-troca de casais era bastante comum nos anos 60/70, seja entre os artistas ingleses ou entre os argentinos, Calamaro não levou a traição nos anos 90 na boa. Portanto, nada de convidar Charly e Calamaro para o mesmo palco, problema com o qual o amigo em comum Fito Paez tem de lidar.

A ressaca emocional fez Calamaro mergulhar no trabalho. Assim, seu álbum seguinte, Honestidad Brutal (1999), foi um CD duplo, com 37 faixas no total. O problema é que, ainda que metade das canções tenham lá sua qualidade, o segundo CD quase todo acrescenta pouco ao álbum, no qual se destaca um cover do tango Naranjo em Flor. Mesmo o primeiro CD tem aquelas faixas com inevitável cara de tapa-buraco. Dessa forma, Calamaro, na ânsia de exorcizar seus demônios, perdeu grande chance de fazer um disco (simples) extraordinário. Mesmo assim, o álbum contém algumas de suas músicas mais significativas: Paloma, Cuando te conocí, Te quiero igual, La parte de adelante e Clonazepán y circo. Tem ainda a divertida Maradona e ótimo tango Jugar con Fuego, composto junto com Mariano Mores, famoso compositor de tango.

No ano seguinte, Calamaro perde de vez a linha, lançando o álbum quíntuplo El Salmón. A egotrip inclui muitos covers e algumas versões alternativas. A maior parte do material do segundo ao quinto disco não conta com um acabamento muito rigoroso, seja nos arranjos, nas letras ou sequer na execução. Se Honestidad Brutal poderia ter sido um ótimo álbum simples, El Salmón poderia ter sido um excelente álbum duplo. O primeiro CD contém canções emblemáticas como Días distintos, Tuyo siempre, Ok perdón, Horarios Esclavos, All you need is pop e um cover do tango Cafetín de Buenos Aires, de Mariano Mores e Discépolo. No material adicional, destaque para os covers de Durazno Sangrando, sucesso de Spinetta da época do Invisible, o tango Malena, e para a versão soul de No se puede vivir del Amor.

Compreensivelmente esgotado artisticamente, Calamaro dá um tempo e só retorna em 2004 com um álbum de covers de canção popular, com uma embaraçosa versão de A Distância, de Roberto Carlos, e apenas três composições próprias, das quais La Libertad e Estadio Azteca são as melhores faixas do disco.

Depois de uma extensa turnê que marca seu retorno aos palcos após seis anos, Calamaro lança um disco de tango, Tinta Roja. Apesar de ser muito bem recebido pela crítica, considero as incursões avulsas no gênero superiores às do álbum, semelhante ao que acontece com os covers internacionais de Caetano Veloso em relação aos álbuns inteiramente dedicados a eles.

La Lengua Popular (2007), Andres Calamaro.

La Lengua Popular (2007), Andres Calamaro.

Neste século, Calamaro se tornou uma espécie de figura onipresente na cena musical argentina, a ponta de uma banda de rock colocar em seu CD o aviso “este disco não teve a participação de Andres Calamaro”. Os álbuns seguintes carecem de relevância, exceto por La Lengua Popular (2007), um de seus melhores álbuns, que lhe garantiu o Grammy Latino de 2008. É uma boa coleção de faixas, especialmente Carnaval de Brasil, Mi Gin Tonic e La mitad del amor.

Com o passar dos anos, não apenas o visual do artista faz lembrar Bob Dylan, mas também a sua voz cada vez mais esgarçada.

Del 63 (1984), Fito Páez.

Del 63 (1984), Fito Páez.

Entre as carreiras solo iniciadas nos anos 80, a que alcançou maior destaque a longo prazo talvez tenha sido a de Fito Páez. Como cantor, sua voz sempre me soou um tom acima do adequado, mas a sua capacidade musical acabou por me conquistar.

O cantor, com seu inseparável piano, debuta em 1984 com o álbum Del 63, uma referência ao ano de seu nascimento. A faixa-título tem uma bela letra, mas o álbum é mal produzido. Pra se ter uma ideia, eu conheci a canção numa coletânea. Quando ouvi o disco original pela primeira vez, achei que o meu CD estava com defeito. Outro destaque do álbum é Rumba del piano.

O álbum seguinte, Giros (1985), tem produção bem superior, mas igualmente irregular. A faixa-título é uma linda mistura do pop com o tango. Outro destaque é 11 y 6, com participação de Pedro Aznar. No ano seguinte gravaria seu álbum em conjunto com Spinetta.

Os álbuns de Fito nos anos 80 mostra um artista oscilando entre o pop e o rock, sendo Ciudad de pobres corazones, de onde saiu a música Track Track, o seu álbum mais roqueiro. Mas conheci Fito Páez antes da apresentação dele, via Paralamas, ao público brasileiro. Foi no filme Sur, de Fernando Solanas, onde faz uma ponta de roqueiro-celebridade que “pega” a amiga da protagonista.

El amor después del amor (1992), Fito Páez.

El amor después del amor (1992), Fito Páez.

Apesar de já ter alcançado notoriedade nos anos 80, é nos anos 90 que Fito Páez estoura internacionalmente e supera o amigo Charly Garcia como grande astro do pop/rock argentino. El amor después del amor (1992), que entrou no meu Top 20 dos anos 90, é o melhor álbum do artista e um dos melhores da discografia argentina. Com participação de Charly Garcia, Fabiana Cantilo (já como ex-esposa), Andres Calamaro, Mercedes Sosa, Spinetta, Ariel Rot e Celeste Carballo (cantora de blues). É uma coleção de hits: a faixa-título gospel, Pétalo de sal, Un vestido y un amor, Tumbas de la gloria, La Rueda Mágica, Brillante sobre el mic, Dos dias en la vida. Ainda assim, considero um álbum com mais baixos do que Alta Suciedad de Calamaro. Mas é cabeça com cabeça os meus dois discos argentinos preferidos.

Nesse álbum, Fito alcança a mistura ideal para o seu pop/rock, com tendência mais assumidamente pop. Mas ele não chegou a isso da noite pro dia. O álbum anterior, o bom Tercer Mundo (1990), já apontava nessa direção. Contudo, ao tentar manter a fórmula no álbum seguinte, Circo Beat (1994), decepciona um pouco. Talvez a expectativa fosse demasiada. Mas o álbum traz o hit Mariposa Tecknicolor.

Enemigos Íntimos (1998), Fito Páez + Joaquin Sabina.

Enemigos Íntimos (1998), Fito Páez + Joaquin Sabina.

O projeto seguinte representou um grande revés, o dueto com o cantor espanhol Joaquín Sabina. Enemigos Íntimos é mais do que o título do álbum, é um resumo da falta de química que rolou no estúdio. A incompatibilidade foi tanta que a turnê, já agendada, foi cancelada. Apesar de tudo, o álbum produziu o sucesso Llueve sobre mojado, e também ressalto Delirium Tremens, talvez por razões mais cervejeiras do que musicais.

Fito volta à forma no final da década, com Abre (1999), com o sucesso Al lado del camino, e Rey Sol (2000), o qual, ainda que desprovido de grandes hits, considero a melhor sequência musical para El amor después del amor. Na época, Fito havia adotado um filho com sua segunda esposa, Cecília Roth, atriz e irmã de Ariel Rot, de quem se separou no ano seguinte.

Neste século, Fito entrou numa vibe mais intimista, tipo voz e piano, que rendeu o excelente álbum ao vivo No sé si es Baires o Madrid, que já comentei aqui. Nesse show, gravado em Madri, participam vários artistas espanhóis ou radicados no país. A participação de Joaquín Sabina cantando Contigo exala mais cumplicidade do que qualquer uma das 14 faixas de Enemigos Íntimos.

Recentemente, Fito vem buscando desafios, impondo temas para cada álbum (covers, amor, sordidez, homenagens) em intensa produção.

Comfort y Música para Volar MTV Unplugged (1996), Soda Stereo.

Comfort y Música para Volar MTV Unplugged (1996), Soda Stereo.

Soda Stereo foi um trio de pop/rock, formado por Gustavo Cerati (voz e guitarra), Zeta Bosio (baixo) e Charly Alberti (bateria) que causou furor no continente ente 1984 e 1997, ocasião de seu último concerto, no estádio do River Plate. É possível que a banda tenha recebido influência de bandas como The Police, Talking Heads, Television e coisas do gênero no início, mas o resultado no final soa mais como um Duran Duran portenho (com melhores resultados, particularmente o trabalho de guitarra de Cerati).

A influência da new wave já fica evidente no disco de estréia, produzido por Federico Moura, do grupo Virus, então principal referência new wave da Argentina. O álbum já emplaca logo de cara uns quatro hits: ¿Por qué no puedo ser del Jet-Set?Te hacen falta vitaminasUn misil en mi placard e Sobredosis de TV.

O álbum seguinte, Nada Personal, já busca maior diversidade sonora, destacando-se nesse sentido Cuando pase el temblor. A turnê pelo continente faz sucesso considerável no Chile e no Peru. Tal sucesso foi consolidado e abrangido nas turnês dos dois álbuns seguintes, chegando ao México.

É em 1990 que o Soda lança o seu álbum mais emblemático, Canción Animal, que leva a banda à Espanha. Daqui saiu o maior sucesso do grupo, De música ligera, que ganhou uma excelente versão fiel do Paralamas e uma com a letra totalmente alterada do Capital Inicial, rebatizada como A sua maneira.

A troca de gravadora no auge do sucesso e a opção por uma maior experimentação fizeram a banda perder um pouco o pique. Mas ainda tiveram tempo de, em seu último disco, Sueño Stereo (1995), emplacar o sucesso Ella usó mi cabeza como un revólver.

Em 1996 gravaram um histórico MTV Unplugged, que recebeu o título de Comfort y música para volar. Trata-se, na minha opinião, da melhor exibição instrumental do trio (com músicos convidados), dando profundidade e sofisticação a seus sucessos.

Gustavo Cerati morreu em 2014 por complicações de um AVC sofrido quatro anos antes. Sua carreira solo contou com a inércia positiva de ser um popstar consagrado.

Vasos Vacíos (1993), Los Fabulosos Cadillacs.

Vasos Vacíos (1993), Los Fabulosos Cadillacs.

Los Fabulosos Cadillcs é uma banda de ska punk que se manteve em atividade contínua de 1985 a 2002, retornando depois por breves períodos. É impossível ouvir faixas como V Centenario sem lembrar imediatamente de Mano Negra, a banda franco-hispânica liderada por Manu Chao. Só que o grupo liderado por Vicentico é mais antigo e mais chegado à música popular. Ambos provavelmente se inspiraram nas bandas inglesas que mesclaram o punk com os ritmos caribenhos, como The Specials e o próprio The Clash. Aliás, o grupo tem uma boa versão para Revolution Rock, faixa do London Calling. A mesma crise econômica que levou Andres Calamaro à Espanha levou os Fabulosos Cadillacs aos Estados Unidos, passando por um breve período de ostracismo. Em 92 dão a volta por cima com o álbum El León, e chegam à consagração com Vasos Vacíos (1993), uma compilação na qual a maioria das faixas receberam nova versão. O título é tirado do duo com a Rainha da Salsa, a cubana Celia Cruz.

La Era de la Boludez (1993), Divididos.

La Era de la Boludez (1993), Divididos.

Sumo foi uma banda de rock alternativo que lança seu primeiro disco em 1985, o Divididos por la felicidad, título em homenagem à banda Joy Division. A influência do grupo britânico ganha contornos trágicos em 87 com a morte do vocalista, Luca Prodan, de cirrose. A banda se dividiu e um dos “filhotes” obteve bastante sucesso, a banda Divididos, fundada no ano seguinte por Ricardo Mollo (guitarrista) e Diego Arnedo (baixista). É difícil estabelecer um estilo para os Divididos, que vai do folk ao hard rock. Dá apenas pra dizer que sabem pesar o som quando querem. A banda continua em atividade, mas reduziu radicalmente suas atividades após 2002.

Lo Esencial (2008), Enanitos Verdes.

Lo Esencial (2008), Enanitos Verdes.

Os Enanitos Verdes, apesar de formada em 1979, só debutou discograficamente em 1984. Com um pop/rock típico dos anos 80, semelhante ao produzido no Brasil, a banda fez bastante sucesso até 1989, quando Marciano Cantero sai em carreira solo. Mas a banda retornou em 1992 e continua em atividade.

Outras bandas relevantes surgidas no período, mas que não tive a oportunidade de conhecer, são:

Los Ratones Parnoicos, de estilo mais Stones, surge em 1986 liderados por Juanse. Abriram para os Rolling Stones na turnê de 1995 e conseguiram tocar com Mick Taylor. A banda terminou em 2011.

Vírus, banda de new wave que lançou sete álbuns ente 1981 e 1989. Seu líder, Federico Moura, morreu de AIDS em 88, sendo substituído por seu irmão no último álbum. A banda retornou em 94, mas com baixíssima produtividade.

Patricio Rey y sus Redonditos de Ricota é considerada uma das mais influentes do período, buscando fugir do circuito comercial, fazendo poucas concessões ao mainstream e à mídia. Montada em 1976, só obteve popularidade (na base do boca a boca) nos anos 80. De certa forma, lembra muito o que o Ira! tentou ser em seu início. Seu primeiro álbum, Gulp!, foi lançado apenas em 84. A contraposição de estilos criou uma rivalidade entre os fãs do Ricota e os fãs do Soda Stereo. Encerrou suas atividades em 2001.

Charly Garcia e o Rock Argentino dos Anos 70 (Rock Hispânico parte 2)

23/05/2015

Poucos anos antes do regime militar, a cena musical argentina foi tomada pelo folk rock estilo America, James Taylor, Simon & Garfunkel ou os primeiros anos de Bob Dylan. Seus principais expoentes foram León Gieco e o duo Sui Generis.

León Gieco incorporou o folclore argentino em suas canções e se especializou na crítica social e política. Já em seu terceiro disco, em 1976, teve sérios problemas com a censura, o que o levou a um breve auto-exílio nos Estados Unidos. Tive a infeliz ideia de ouvir Gieco mais adiante no álbum Orozco, de 1997, bem fraquinho. Esse seria um caso de explorar primeiro uma coletânea, haja vista a extensa carreira desse bardo argentino.

Confesiones de Invierno (1973), Sui Generis.

Confesiones de Invierno (1973), Sui Generis.

Sui Generis já foi objeto de um post aqui no blog. Partindo do folk para um soft rock em seus dois primeiros álbuns, Vida e Confesiones de Invierno (o meu favorito), até chegar, em seu terceiro álbum, Pequeñas anécdotas sobre las instituciones, a elementos psicodélicos e progressivos, constituindo-se não mais no duo formado por Charly Garcia e Nito Mestre, mas em banda completa, a qual fazia parte David Lebón, ex-Pescado Rabioso.

Charly estava cada vez mais encantado por complexos arranjos instrumentais, o que deixava meio de lado seu companheiro Nito Mestre. Além disso, complicações com a censura ainda durante o governo peronista e confusões na turnê acabaram levando à dissolução da banda.

PorSuiGieco (1976).

PorSuiGieco (1976).

Nada disso impediu o surgimento de uma superbanda, a PorSuiGieco, iniciada por uma turnê em 1975 com uma proposta de fazer uma reunião de globetrotters semelhante ao Crosby Still Nash & Young. O grupo era formado pela dupla do Sui Generis, León Gieco, Raúl Porchetto  e Maria Rosa Yorio, então esposa de Charly Garcia.

Raúl Porchetto era um músico oriundo do rock progressivo, autor do álbum Cristo Rock, que contou com a participação de Charly, Oscar Moro (ex-Los Gatos), Claudio Gabis e Alejandro Medina (ambos ex-Manal), entre outros

Maria Rosa Yorio até então só havia participado como backing vocal do último disco do Sui Generis, de Cristo Rock e de um álbum solo de David Lebón. Em evidência após o breve sucesso do grupo, deu início a sua carreira de cantora, sendo um equivalente para o rock argentino o que Rita Lee foi para o rock brasileiro, mas sem a mesma longevidade.

O PorSuiGieco tem uma trajetória semelhante aos Doces Bárbaros: artistas independentes, amigos e participantes do mesmo movimento musical que se juntam para uma turnê e acabam gravando um disco.

A banda se separa logo depois, com Charly Garcia iniciando seu novo projeto, La Máquina de Hacer Pájaros, e León Gieco partindo pros EUA.

20/19 (1981), Nito Mestre.

20/10 (1981), Nito Mestre.

Nito Mestre montou a banda  Los Desconocidos de Siempre, que contou com a participação, entre outros, de Alfredo Toth (ex-Los Gatos) e Maria Rosa Yorio, que acabou se separando de Charly e se tornando companheira de Mestre. A banda durou três anos e rendeu três álbuns. O primeiro disco solo de Mestre, 20/10, gravado com uma pequena ajuda dos amigos, foi muito bem recebido, já com uma abordagem mais pop/jazz. As parcerias caracterizaram seu trabalho ao longo da década.

Peliculas (1976), La Máquina de Hacer Pájaros.

Peliculas (1976), La Máquina de Hacer Pájaros.

La Máquina de Hacer Pájaros foi o mergulho de Charly Garcia no rock progressivo, com muito Rick Wakeman e Procol Harum na cabeça, que experimentava um boom na Argentina. A banda contava com a participação de Oscar Moro. O primeiro álbum homônimo foi muito bem recebido, contando ainda com algumas sobras de composições da época do Sui Generis  Escutei apenas o segundo (e último) disco, Películas, que achei com muitas firulas baseadas em dois teclados.

Com crise no matrimônio, com dificuldade de se adaptar às exigências da paternidade como um Lennon portenho, e a chegada dos militares ao poder, em 1977 Charly Garcia decidiu passar uma temporada no Brasil. Passou um ano em Búzios, onde morou com sua segunda esposa, uma bailarina brasileira chamada Zoca, e mergulhou na música local (particularmente Milton Nascimento). Retornou a Buenos Aires decidido a formar uma nova banda, o Serú Girán, que também já mereceu um post aqui.

Bicicleta (1980), Serú Girán.

Bicicleta (1980), Serú Girán.

A Charly García se juntaram David Lebón, Ocar Moro e um jovem baixista chamado Pedro Aznar. O Serú Girán foi o auge do rock progressivo argentino depois deste ter desaparecido como movimento. Mas o grupo só vingou em seu segundo álbum, La Grasa de las Capitales, de 1979. O álbum apresenta proposta conceitual e traz o sucesso Viernes 3am, que mereceu uma versão sensacional dos Paralamas do Sucesso (na minha opinião, uma das melhores faixas já gravadas por Herbert e Cia.).

O álbum seguinte, Bicicleta, é sua obra master, cujas composições se mostram mais diversificadas em termos de estilo.

O último álbum, Peperina, menos inspirado, sai em 1981, e a curtíssima turnê do ano seguinte marca o final do Serú Girán, uma das mais importantes bandas do rock argentino.

Após o fim do grupo, David Lebón teve uma intensa carreira solo nos anos 80, diminuindo drasticamente suas atividades nas décadas seguintes.

A carreira de Pedro Aznar merece atenção. O fim do Serú Girán foi marcado pela ida de Aznar para Berklee. O baixista acaba integrando o Pat Metheny Group até 1984, quando começa a sua carreira solo. Músico virtuoso, dedicou-se a trilhas sonoras e participações com vários artistas, como Soda Stereo e Shakira, mas principalmente com os ex-companheiros Charly Garcia e David Lebón.

Charly Garcia partiu logo pra sua estreia como artista solo, num álbum 2 em 1: o seu álbum de fato e uma trilha sonora. O que mais impressiona no início da bem sucedida carreira solo de Charly é como um roqueiro vindo do soft rock e do progressivo se adequou à cena pop dos 80 como se pertencesse àquela geração. Mas isso será abordado no próximo capítulo.

Serú Girán, a Superbanda Argentina.

01/12/2013
Bicicleta (1980), Serú Girán.

Bicicleta (1980), Serú Girán.

Serú Girán é uma banda de rock progressivo argentina que fez furor no país e no cenário de rock hispânico entre 1978 e 1982. De certa forma permite alguns paralelos com o nosso Vímana, também de influências progressivas, que reuniu futuros ícone do pop/rock dos anos 80: Ritchie, Lulu Santos e Lobão. O Serú Girán também reuniu músicos que fizeram fama na música argentina após seu término: Charly García, Pedro Aznar, David Lebón e Oscar Moro. A diferença é que o Vímana não lançou um álbum sequer, pois os artistas ainda eram ilustres desconhecidos, enquanto os membros do grupo argentino já tinham certa estrada.

O mais conhecido de todos, disparado, era Charly García, que já tinha causado furor ao lado de Nito Mestres no duo Sui Géneris (1970-1974), fazendo um som que misturava o soft rock estilo Simon & Garfunkel com influências psicodélicas. Encantado cada vez mais com o rock progressivo, García foi alienando cada vez mais Mestre da parte criativa. Com o fim da dupla, García partiu pra um projeto de rock sinfônico com o grupo La Máquina de Hacer Pájaros, de resultados bem duvidosos, eu diria. Após dois álbuns, o projeto desandou.

Charly García partiu, então, com David Lebón para Búzios, e de lá pra São Paulo. Conheceu aquela galera toda de Minas, especialmente Milton Nascimento, e voltou um ano depois pra montar o Serú Girán. Toda essa volta pra dizer que o Brasil influenciou o surgimento da maior banda de rock argentino. É como dizer que Rivelino inspirou Maradona (e não foi?).

Serú Girán lançou quatro álbuns e um ao vivo de despedida (houve um retorno em 1992, mas deixa pra lá). O segundo, Grasa de las Capitales, é bastante elogiado, e contém a belíssima Viernes 3am, que mereceu excelente versão do Paralamas.  Nas o auge da banda é mesmo Bicicleta, que equilibra perfeitamente os arroubos progressivos da banda (como na abertura com A los Jóvenes de Ayer), baladas delicadas (como a bela Desarma y Sangra, muito superior à versão que já havia ouvido em versão solo com Charly García), faixas de pop/jazz típicas dos anos 80, e até mesmo um surpreendente blues moderno, com direito a sopro de metais, na última faixa, Encuentro con el Diablo.

Canción de Alicia en el País, ao vivo em 1981.

As confissões de inverno de Charly Garcia

09/11/2012

Charly Garcia é um dos mais importantes personagens do pop/rock argentino. Entretanto, tudo que ouvia dele não me chamava tanto a atenção, até ficar apaixonado por uma versão do Paralamas do Sucesso de Viernes 3am, no álbum Hey-na-na!, composta por ele. Fiquei de dar-lhe uma segunda chance.

Hello! MTV Unplugged (1995), Charly Garcia.

Então, certo dia, num café-sebo ao lado do IFCS, dei de cara com um CD usado, meio sujo mas em bom estado, de Hello! MTV Unplugged, pela bagatela de 10 reais. Comprei-o. E não é que o acústico de Charly Garcia era danado de bom? E estava lá ele tocando Viernes 3am. Mas a música era precedida por uma outra num tal de “medley Serú Girán”. Que diabos é isso? Nada como o Google…

Aí descobri que minha amada música não era da carreira solo (que, fora o acústico, ainda não me encantou), mas da época de uma banda chamada Serú Girán (?!). E lá fui eu atrás dos discos.

O Serú Girán reunia músicos argentinos de peso. Além de Garcia, David Lebón, Pedro Aznar e Oscar Moro. Entre 1978 e 1982 fizeram história no rock hispânico fazendo um rock progressivo de boa qualidade. Bem setentista, diga-se de passagem, o que o torna, apesar de bom, um pouco datado. E a versão original de Viernes 3am era também maravilhosa.

La Grasa de las Capitales (1979), Serú Girán.

Mas Charly Garcia não surgira ali, mas sim em 1972, num duo com o amigo de escola Nito Mestre, chamado Sui Generis. E foi nessa hora que descobri a sua melhor obra.

O Sui Generis durou apenas 3 álbuns e um ao vivo (em 2 volumes), entre 72 e 75. Em todos os discos, o duo é acompanhado por músicos, sendo um deles David Lebón, que mais tarde acompanharia Garcia no Serú Girán.

Vida (1972), Sui Generis.

O som da banda me evoca muitas coisas: rock progressivo, psicodelia, folk, rock mineiro dos anos 70, assim como o pessoal do Clube da Esquina. Mas a primeira coisa que me chamou a atenção foi o trabalho vocal de Nito e Charly, tão orgânico quanto Simon & Garfunkel. Além do acento folk, o fato da voz de Nito ser mais limpa e Charly ser o responsável pelas composições também reforça a comparação.

O álbum de estréia, Vida, com seu folk psicodélico, é bom, mas trata-se apenas um ensaio do que viria a ser Confesiones de Invierno. Neste, a dupla realiza sua obra-prima (e a melhor coisa que já ouvi com Charly Garcia até hoje). Um canto inspirado e afinadíssimo, belos arranjos e canções vigorosas, com uma pegada mais roqueira que o anterior.

Confesiones de Invierno (1973), Sui Generis.

Ainda que o som encarne o espírito dos anos 70, como podemos encontrá-lo nos discos de um 14 Bis, que possua um clima “eu acredito em fadas” de Jon Anderson, o disco, surpreendentemente, não me soa datado. Deve ser a idade…

No álbum seguinte, Pequeñas anécdotas sobre las instituciones, a banda se torna mais eletrificada e parte pro progressivo psicodélico. Há um estranhamento por parte do público, mas pior foi a reação do governo militar. Tiveram que cortar músicas, mudar letras. Desconheço se foi por isso, ou o mergulho cada vez mais profundo no progressivo e nos teclados, que Charly quis gravar um álbum todo instrumental, o que provocou o desânimo de Nito. O disco nunca saiu e eles decidiram fazer um show de despedida e lançá-lo em disco: Adiós Sui Generis.

Pequeñas Anécdotas de las Instituciones (1974), Sui Generis.

Nito Mestre se juntou a uma banda batizada de Los Desconocidos de Siempre, formada pela então namorada de seu ex-companheiro, seguindo o som mais folk do início do Sui Generis. Depois, teve uma carreira solo bem sucedida nos anos 80. Já Charly Garcia se bandeou de vez para o rock progressivo formando outra banda, La Máquina de Hacer Pájaros (que ainda não ouvi), da qual participava Oscar Moro e que não durou muito, antes de criar o Serú Girán. Sua carreira solo (um pouco pop demais nos anos 80) é marcada pela inquietude. Por isso, explorá-la pode ser como caminhar num campo minado.

Filosofia Barata y Zapatos de Goma (1990), Charly Garcia.

Rasguña las Piedras, do álbum Confesiones de Invierno, ao vivo no show Adiós Sui Generis.